Outro dia, um amigo - desses que tendem a achar que as
palavras são meras ferramentas para pedir café, cumprimentar pessoas, xingar o
time quando joga mal, pagar boletos e coisas bem mundanamente objetivas - me
perguntou:
— Mas afinal, Edson, por que você usa tantas metáforas em seus
textos?
Eu admito que a pergunta me surpreendeu. Não pela sua complexidade,
senão pelo fato de me ser - até então - inusitada. O uso de metáforas me é tão automático
que, confesso, nunca tinha pensado detidamente nisso. Com efeito, pensei: boa
oportunidade para uma investigação. Foi o que fiz...
Ora, por que uso metáforas?
Talvez pela mesma razão que algumas pessoas põem meias
coloridas quando vestidas de terno preto: para não morrer de tédio dentro da
norma. Ou talvez porque o mundo é um pouco mais digerível quando temperado com
imagem e surpresa.
O fato é que a metáfora me serve como óculos de grau: sem
ela, vejo a realidade, mas embaçada e sem charme.
A metáfora, meus caros, é uma espécie de mentira honesta.
Você diz que o sujeito é um cavalo - e ele, que nem relincha, entende que se
trata de força, não de crinas.
É uma comparação sem o constrangimento do “como”, esse aviso
de que vem imagem pela frente. A metáfora não pede licença: entra, senta-se na
sala da linguagem e muda o papel de parede.
Vem do grego “metáphora”, que significa “transferência”. Um
tipo de mudança que não se faz com caminhão, mas com imaginação.
Aristóteles - o grego que entendia de tudo, menos de redes
sociais - já dizia que a metáfora é sinal de genialidade. E quem somos nós para
discordar de um sujeito que usava toga sem parecer ridículo?
Todo mundo usa metáforas, mesmo quem jura que só fala
“direto ao ponto”.
Veja: falamos em “apagar memórias”, “feridas abertas”,
“tempo voando”, “tóxicos relacionamentos” - tudo isso sem envolver papel,
bisturi, asas ou produtos químicos.
A metáfora, portanto, é uma clandestina do vocabulário: está
em toda parte, fingindo que não está. Ela é importante porque nos permite
comunicar não apenas ideias, mas sensações. Dizer que a saudade “morde” é mais
preciso do que qualquer tratado de neurociência afetiva.
Dizer que a esperança “brota” é mais convincente que
planejamento estratégico elaborado no Powerpoint e complementado com planilhas
do Excel.
Poucos textos fizeram uso tão criativo - e eficaz - da
metáfora quanto a Bíblia. Ali, Deus é pastor, rocha, luz, pai, rei, amigo e até
vento.
Cada metáfora revela um aspecto do divino - e, convenhamos,
tentar descrever o indefinível sem recorrer à imagem é como tentar beijar o
cotovelo: possível apenas em teorias de YouTube.
Jesus, mestre nesse ofício, não ensinava com PowerPoint, mas
com figueiras, sementes, vinhas, sal, luz e tesouros escondidos. Ele não dizia
“ajudem o próximo”; dizia “seja como o samaritano”. A metáfora ensina sem
humilhar, convida sem ordenar, toca sem empurrar.
Dizemos que a vida é uma estrada, que o amor é um jogo, que
o corpo é uma máquina, que o tempo é dinheiro. E quando mudamos a metáfora,
muda também a forma como sentimos a realidade.
O problema talvez seja quando a metáfora nos aprisiona. Se
tratamos o trabalho como uma batalha, viveremos exaustos. Se o casamento for
sempre um porto seguro, talvez nos esqueçamos de navegar. Uma boa metáfora abre
portas; uma metáfora ruim tranca o pensamento dentro de um armário.
Então, por que uso metáforas?
Porque a realidade, crua e nua, costuma ser malvestida e de
pouca educação. A metáfora dá a ela um terno, um perfume e um sapato de cromo
alemão.
Escrevo com metáforas porque a vida sem elas seria como um
café sem cheiro, uma risada sem som, um abraço sem braços .
E, se me permitem, vai aqui a última metáfora deste meu
texto totalmente metaforizado: escrever sem metáfora é como tentar acender uma
vela com o vento.
Pode até funcionar. Mas onde está a graça?
Edson Pinto
Junho’ 2025
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