6 de jun. de 2025

331) METÁFORAS: ESSE MISTÉRIO ELEGANTE DA FALA

 

Outro dia, um amigo - desses que tendem a achar que as palavras são meras ferramentas para pedir café, cumprimentar pessoas, xingar o time quando joga mal, pagar boletos e coisas bem mundanamente objetivas - me perguntou:

— Mas afinal, Edson, por que você usa tantas metáforas em seus textos?

Eu admito que a pergunta me surpreendeu. Não pela sua complexidade, senão pelo fato de me ser - até então - inusitada. O uso de metáforas me é tão automático que, confesso, nunca tinha pensado detidamente nisso. Com efeito, pensei: boa oportunidade para uma investigação. Foi o que fiz...

Ora, por que uso metáforas?

Talvez pela mesma razão que algumas pessoas põem meias coloridas quando vestidas de terno preto: para não morrer de tédio dentro da norma. Ou talvez porque o mundo é um pouco mais digerível quando temperado com imagem e surpresa.

O fato é que a metáfora me serve como óculos de grau: sem ela, vejo a realidade, mas embaçada e sem charme.

A metáfora, meus caros, é uma espécie de mentira honesta. Você diz que o sujeito é um cavalo - e ele, que nem relincha, entende que se trata de força, não de crinas.

É uma comparação sem o constrangimento do “como”, esse aviso de que vem imagem pela frente. A metáfora não pede licença: entra, senta-se na sala da linguagem e muda o papel de parede.

Vem do grego “metáphora”, que significa “transferência”. Um tipo de mudança que não se faz com caminhão, mas com imaginação.

Aristóteles - o grego que entendia de tudo, menos de redes sociais - já dizia que a metáfora é sinal de genialidade. E quem somos nós para discordar de um sujeito que usava toga sem parecer ridículo?

Todo mundo usa metáforas, mesmo quem jura que só fala “direto ao ponto”.

Veja: falamos em “apagar memórias”, “feridas abertas”, “tempo voando”, “tóxicos relacionamentos” - tudo isso sem envolver papel, bisturi, asas ou produtos químicos.

A metáfora, portanto, é uma clandestina do vocabulário: está em toda parte, fingindo que não está. Ela é importante porque nos permite comunicar não apenas ideias, mas sensações. Dizer que a saudade “morde” é mais preciso do que qualquer tratado de neurociência afetiva.

Dizer que a esperança “brota” é mais convincente que planejamento estratégico elaborado no Powerpoint e complementado com planilhas do Excel.

Poucos textos fizeram uso tão criativo - e eficaz - da metáfora quanto a Bíblia. Ali, Deus é pastor, rocha, luz, pai, rei, amigo e até vento.

Cada metáfora revela um aspecto do divino - e, convenhamos, tentar descrever o indefinível sem recorrer à imagem é como tentar beijar o cotovelo: possível apenas em teorias de YouTube.

Jesus, mestre nesse ofício, não ensinava com PowerPoint, mas com figueiras, sementes, vinhas, sal, luz e tesouros escondidos. Ele não dizia “ajudem o próximo”; dizia “seja como o samaritano”. A metáfora ensina sem humilhar, convida sem ordenar, toca sem empurrar.

Dizemos que a vida é uma estrada, que o amor é um jogo, que o corpo é uma máquina, que o tempo é dinheiro. E quando mudamos a metáfora, muda também a forma como sentimos a realidade.

O problema talvez seja quando a metáfora nos aprisiona. Se tratamos o trabalho como uma batalha, viveremos exaustos. Se o casamento for sempre um porto seguro, talvez nos esqueçamos de navegar. Uma boa metáfora abre portas; uma metáfora ruim tranca o pensamento dentro de um armário.

Então, por que uso metáforas?

Porque a realidade, crua e nua, costuma ser malvestida e de pouca educação. A metáfora dá a ela um terno, um perfume e um sapato de cromo alemão.

Escrevo com metáforas porque a vida sem elas seria como um café sem cheiro, uma risada sem som, um abraço sem braços .

E, se me permitem, vai aqui a última metáfora deste meu texto totalmente metaforizado: escrever sem metáfora é como tentar acender uma vela com o vento.

Pode até funcionar. Mas onde está a graça?

 

Edson Pinto

Junho’ 2025


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