Não me
julgue, leitor. Ou, se julgar, que seja com a brandura que se reserva aos que
tropeçam nas próprias intenções. Eu não quis, e aqui reside o cerne da tragédia,
mas cativei Clara.
Clara, sim,
de nome e de natureza...
Tão Clara por
fora quanto era por dentro, como uma manhã que se entrega inteira ao sol sem
pedir nada em troca...
Havia nela
uma espécie de transparência luminosa, daquelas que fazem a gente esquecer que
o mundo costuma ser opaco. E, justamente por isso, cativá-la foi como tocar uma
vidraça limpa: parece coisa simples, inócua, mas deixa marca. Com palavras, com
silêncios bem colocados, com aquela atenção rara que só se dá quando se está
encantado, mesmo sem saber.
Conheci Clara
numa volta da escola. Era uma terça-feira, creio. Talvez chovesse, talvez não.
Mas o que importa é que ela falou, e eu escutei como quem ouve uma canção que
não quer acabar.
Nos tornamos
íntimos de um jeito que só o anonimato permite. Voz, risos, textos, cartas. Eu,
confesso, me sentia necessário. E isso é perigosíssimo: quando alguém se sente
necessário no coração do outro, corre o risco de acreditar que sempre será
bem-vindo, ainda que desapareça por um tempo.
Foi o que
fiz.
A vida, esse
álibi vagabundo de quem não quer assumir a própria negligência, me engoliu.
Trabalho novo, tarefas, desânimos. Coisas miúdas, sabe? Mas que crescem como
trepadeira e, quando percebemos, já sufocaram a flor que nos fazia sorrir.
Clara me
mandou um bilhete um dia.
"Você está
sumido", disse ela...
Três palavras
só. Três facas. Visualizei, li, doeu. Mas respondi dois dias depois, com a
frieza das desculpas automáticas.
"Desculpa,
a vida."
Que vergonha
me dá repetir isso aqui. Mas veja: a vida, bem ou mal, nos ensina a desaparecer
com elegância, como se ausência fosse sinal de autonomia emocional.
O tempo
passou. Dois, três anos, talvez mais...
Um dia, num
desses domingos em que o coração se recorda de onde deveria estar, fui tomado
por uma saudade estranha. Não da voz de Clara, nem dos poemas, mas da sensação
de ser aguardado. Porque há algo de nobre, quase sagrado, em saber-se esperado...
Escrevi.
Tímido, tonto, tardio. Disse que sentia falta. Que queria retomar. Que talvez
ainda houvesse um canto do jardim com meu nome.
Mas Clara,
sempre lúcida e clara por dentro e por fora, respondeu com delicadeza, porém
firmeza. Não havia mágoa em suas palavras, mas havia a maturidade de quem
aprendeu a regar o próprio jardim, mesmo depois da seca.
Foi então que
compreendi, tarde, mas compreendi, como quem lê uma carta antiga e só agora
enxerga o subtexto, o que dizia aquela raposa literária que certa vez folheei
com pressa juvenil:
"Tu te
tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."
Sim, eu
cativei. E depois fiz o que tantos fazem: fugi, distraído, convencido de que
ternura não tem prazo de validade. Mas Clara…
Clara me
guardou por um tempo, como se guarda uma pétala seca de rosa dentro de um livro
de romance, com cuidado, com ritual, com esperança.
E agora, onde
quer que ela esteja, sei que carrego uma eternidade que não pesa no bolso, mas
no peito: a de ter sido, por instantes, morada no coração de alguém… e não ter
sabido permanecer.
Se há alguma
redenção possível, talvez ela esteja aqui nestas palavras. Talvez escrever seja
minha forma tardia de regar o que deixei secar. Sei que já não floresce, mas,
ainda assim, ofereço água. Não por querer colheita, mas por dever de
jardineiro.
Porque, como
aprendi, tarde, mas aprendi, o essencial é invisível aos olhos, mas, uma vez
tocado, é indelével na alma.
E Clara…
Clara foi o meu planeta B-612. E eu, um caricato Pequeno Príncipe desatento
demais para entender que certos corações são estrelas:
Só brilham se
você ficar para ver.
Edson
Pinto
Junho’
2025
Um comentário:
Lindo escrito! Gostoso de ler!
👏👏👏👏
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