Dizem que
chegou numa tarde chuvosa, vestindo casaca bordada e carregando um cravo
portátil embrulhado em panos e mistério.
Era Mozart.
Sim, ele mesmo.
Se não morreu
na Europa, deve ter se escondido nas montanhas de Minas, porque foi ali, em Diamantina, que seu ouvido
encontrou o que Salzburgo lhe negara: saudade em tom menor e esperança em
compasso mineiro.
Hospedou-se
numa casa azul de janelas brancas, perto da Igreja do Carmo, onde os sinos
pareciam tocar só para ele.
Passava os
dias compondo: uma valsa com passos de moças nas pedras, uma ária com vozes de
serenata e um minueto com silêncios de ouro.
À noite,
ouvia seresteiros da Rua Direita e chorava baixinho.
No dia
seguinte, compunha para flauta, viola e tamborim: música para almas que não
aprenderam a se calar.
Foi então que
o viram conversar com um rapaz magro, de olhos vivos e fala sonhadora. Chamava-se
Juscelino. Era dali mesmo. Estudante. Cheio de futuro nos bolsos.
Conversavam
sobre sons, ideias e sonhos.
— E o senhor?
Já compôs algo para cidades? — perguntou o jovem, admirado.
Mozart sorriu
e respondeu:
— Não. Mas
talvez você devesse. Se eu componho com notas, você pode compor com avenidas. Faça
como eu: pense em movimentos, ritmo, silêncio e espanto. Se não pode escrever
uma sinfonia, construa uma.
O rapaz ficou
em silêncio. Mas o olhar se acendeu como clarinete em afinação.
Alguns dias
depois, Mozart partiu sem avisar. Deixou uma partitura incompleta sobre a
escrivaninha e um bilhete:
“Ao menino de
olhos de maestro: uma cidade pode ser um concerto, se for feita com alma.”
Anos depois,
aquele menino se tornou presidente. E construiu Brasília, não como um amontoado
de concreto, mas como um compasso arquitetônico no coração do país. Uma
sinfonia feita de traço, horizonte e ousadia.
E quem sabe,
num ponto silencioso da nova capital, não ecoa ainda, entre colunas
modernistas, uma nota suave que nasceu lá em Diamantina, ao pé do cravo de um
gênio barroco perdido em Minas.
Agosto, 2025
Wolfgang
Amadeus Mozart
(1756–1791) foi um compositor austríaco, gênio precoce da música clássica.
Produziu mais de 600 obras em sua breve vida, entre sinfonias, concertos,
óperas e peças sacras. Sua música equilibra emoção, técnica e beleza.
Juscelino
Kubitschek
(1902–1976), natural de Diamantina, foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961.
É lembrado por seu lema “cinquenta anos em cinco” e por idealizar e construir
Brasília, transformando uma utopia urbanística em realidade. Neste conto, a
cidade nasce como uma sugestão musical de um mestre renascentista a um jovem
brasileiro.
Um comentário:
Muito bom...parabéns!
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