8 de ago. de 2025

339) MOZART EM DIAMANTINA

 

Dizem que chegou numa tarde chuvosa, vestindo casaca bordada e carregando um cravo portátil embrulhado em panos e mistério.

Era Mozart. Sim, ele mesmo.

Se não morreu na Europa, deve ter se escondido nas montanhas de Minas,  porque foi ali, em Diamantina, que seu ouvido encontrou o que Salzburgo lhe negara: saudade em tom menor e esperança em compasso mineiro.

Hospedou-se numa casa azul de janelas brancas, perto da Igreja do Carmo, onde os sinos pareciam tocar só para ele.

Passava os dias compondo: uma valsa com passos de moças nas pedras, uma ária com vozes de serenata e um minueto com silêncios de ouro.

À noite, ouvia seresteiros da Rua Direita e chorava baixinho.

No dia seguinte, compunha para flauta, viola e tamborim: música para almas que não aprenderam a se calar.

Foi então que o viram conversar com um rapaz magro, de olhos vivos e fala sonhadora. Chamava-se Juscelino. Era dali mesmo. Estudante. Cheio de futuro nos bolsos.

Conversavam sobre sons, ideias e sonhos.

— E o senhor? Já compôs algo para cidades? — perguntou o jovem, admirado.

Mozart sorriu e respondeu:

— Não. Mas talvez você devesse. Se eu componho com notas, você pode compor com avenidas. Faça como eu: pense em movimentos, ritmo, silêncio e espanto. Se não pode escrever uma sinfonia, construa uma.

O rapaz ficou em silêncio. Mas o olhar se acendeu como clarinete em afinação.

Alguns dias depois, Mozart partiu sem avisar. Deixou uma partitura incompleta sobre a escrivaninha e um bilhete:

“Ao menino de olhos de maestro: uma cidade pode ser um concerto, se for feita com alma.”

Anos depois, aquele menino se tornou presidente. E construiu Brasília, não como um amontoado de concreto, mas como um compasso arquitetônico no coração do país. Uma sinfonia feita de traço, horizonte e ousadia.

E quem sabe, num ponto silencioso da nova capital, não ecoa ainda, entre colunas modernistas, uma nota suave que nasceu lá em Diamantina, ao pé do cravo de um gênio barroco perdido em Minas.

 Edson Pinto

Agosto, 2025


 Nota do autor

Wolfgang Amadeus Mozart (1756–1791) foi um compositor austríaco, gênio precoce da música clássica. Produziu mais de 600 obras em sua breve vida, entre sinfonias, concertos, óperas e peças sacras. Sua música equilibra emoção, técnica e beleza.

Juscelino Kubitschek (1902–1976), natural de Diamantina, foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. É lembrado por seu lema “cinquenta anos em cinco” e por idealizar e construir Brasília, transformando uma utopia urbanística em realidade. Neste conto, a cidade nasce como uma sugestão musical de um mestre renascentista a um jovem brasileiro.


Um comentário:

Perciodiogo disse...

Muito bom...parabéns!