8 de mai. de 2009

78) O ENIGMA DE CAPITU




Em Dom Casmurro, famoso romance daquele que é considerado um dos maiores escritores em língua portuguesa, o brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis, Bentinho, narrador-protagonista da história, prende de tal forma a atenção do leitor que, ao final, nem nos importamos muito em entender se ele fora ou não traído pela sua amada Capitu. O prazer propiciado pela trama e ímpar estética literária do irrepreensível escritor já nos recompensa plenamente a leitura.

Só mesmo um mestre na arte das palavras como Machado de Assis para tornar tão interessante - neste caso na forma da valiosa ficção romanceada - um dos aspectos mais notáveis da mente humana: O “enigma”, esse enunciado obscuro, quase sempre de propósito e cheio de ambigüidades, misterioso e indistinto que aguça nossa vontade de desvelamento. Somos movidos pela curiosidade. O prazer de decifrar uma charada, entender e rir de uma piada, descobrir um segredo, enfim, desnudar um enigma, tem sido ao longo dos tempos o motor da raça humana.

E tem, verdadeiramente, muito sentido que as coisas sejam assim. Mal começamos a nos dar por gente e já nos suscita o desejo de compreender o incompreensível. Os mistérios da criação, da infinitude do universo, da razão da vida, do pós-vida terrena e tudo o mais que vai nos instigando a cada dia que passa. Somente os néscios não mostram interesse pelo esclarecimento do desconhecido. Por outro lado, aqueles que se aguçam no observar da vida querem, cada vez mais, a aproximação ao cerne do enigma, extraindo-lhe a verdade.

Tudo dito desta forma pode até parecer que aceito como normal a xeretagem dos bisbilhoteiros de fé, essa nova praga da vida nacional. E o pior é quando tudo isso visa a apenas a obtenção da notoriedade fugaz propiciada pela exposição midiática. Sou assim forçado a dar razão a Andy Warhol, o reinventor da “pop art”, ao identificar o desejo de todos pelos míseros 15 minutos de fama. Ao contrário, compadeço-me daqueles que não medem esforços para cumprir a rigor tal vaticínio.

O que temos visto no Brasil de hoje, parece-me facilmente enquadrado nessa louca sanha em busca da notoriedade. À parte o ultrapassado viés ideológico dessa nova turma ocupante de funções constitucionais da maior importância, como a Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal e tantos outros órgãos de responsabilidades, ficam-nos a impressão de que, mais importante do que a nobre missão do cargo, encontra-se o desfrute da oportunidade de concretização dos 15 minutos de fama. Obtido isso, ótimo, agora cabe a quem teve a vida bisbilhotada a tarefa de provar que não mereceu o veneno da insidiosa flecha. Do sagrado direito de defesa fazem detalhes de somenos importância e, com isso, da honra, não mais virtude, senão um pormenor, uma minudência.

Há, sim, algo de podre aqui, tal qual no reino da Dinamarca. Não precisamos apossar do Hamlet de Shakespeare para ver muita semelhança com a nossa realidade. Algo de muito errado está grassando também nesta terra de Machado de Assis e isso poderia ser considerado, de fato, um enigma. Senão, respondam:

1) Por que um delegado destrambelhado como o Protógenes que ora diz uma coisa ora outra; um promotor com cara de adolescente mal saído da faculdade; uma juíza que decide hoje já sabendo que amanhã seu ato será reformado pela instância superior, tudo, tudo sob os holofotes da mídia, podem, impunemente, assumir posturas de justiceiros, quando o julgamento legal ainda está por acontecer?

2) Por que as investigações não seguem com seriedade e cautela convocando pessoas suspeitas para depoimentos preliminares sem a necessidade de convocação da imprensa?

3) Por que não atuam preventivamente nos órgãos de fiscalização, preferindo deixar as coisas acontecerem para, em seguida e com o apoio da TV, fazerem prisões espetaculosas com duração, em geral, curtíssimas?

É claro que todos nós queremos um país mais limpo e transparente. Não queremos ver empresários gananciosos burlando o fisco. Não queremos que a enorme carga tributária que já nos sufoca de algum tempo sirva para pagar propinas, sustentar na folha de pagamento do Congresso, funcionários fantasmas, nem vermos mais dólares em cuecas, muito menos castelos medievais construídos com recursos escusos. Gostaríamos, contudo, que os responsáveis pelas investigações, em nome da boa justiça, evitassem tirar proveito pessoal e inconseqüente como hoje andam fazendo.

Se Capitu traiu ou não Bentinho é um enigma que aceitamos manter insolúvel, porque nasceu da mente de um ficcionista impecável para o propósito tão somente de nos deleitar a imaginação. Mas, não podemos conviver com esse novo enigma que reveste a realidade da vida nacional. Essas atitudes evocam-nos lembranças históricas de estados policialescos coveiros da democracia. E isso, nunca mais...

Edson Pinto
Maio’09

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Araújo
Para: Edson Pinto

Como fiz com Quincas Borba, no mês passado, vou até reler Dom Casmurro para tentar entender um pouco mais o enigma e a correlação escrita pelo meu + q Prezado Amigo Edson Pinto. Vou me atrever, também, ("Véeiinhooo fica muito atrevido...) a contestar o finalzinho da crônica do Amigo pois, para mim, democracia não implica em manter um congresso, governo e, o que é mais triste, uma justiça recheada de desonestos, como hoje acontece no nosso, infeliz, Brasil. Sempre me considerei um democrata más, lamento confessar ao Amigo, tenho sentido saudade do tempo da ditadura; é triste, más é verdade...

Um grande abração para Você e para tua Esposa pelo Dia das Mães, amanhã.

Araujo