15 de mai. de 2009

79) LABIRINTO DA ALMA


Miguel praguejou o sol que penetrava brilhante pela fresta da janela do quarto e aquecia seu rosto. Xingou qualquer um porque algo não estava no lugar de sempre. Depois, maldisse a vida porque o café não lhe apetecia. Até faísca, o cãozinho dócil e ansioso por carinho, é olimpicamente menosprezado.

E olha que o dia estava apenas começando. Dormiu mal? Problemas novos remoídos ao longo da noite tiraram-lhe o sono e agora o seu humor? Não! Esse era o natural de Miguel. Difícil criar condições que o tornasse mais sociável, alegre externamente e participativo. Amélia sabia tanto disso que já havia decidido nunca mais tentar alterar aquilo que era inerente e imutável em seu marido. Era uma questão de saber entendê-lo. E assim, simplificou a sua militância familiar...

Mas Miguel compensava seu gênio arredio e permanentemente abrutalhado com o trabalho duro no próspero negócio que ele mesmo tinha construído. Era o que se chamava de um verdadeiro "pé-de-boi". Materialmente, não faltava nada em sua casa. Aos filhos provia-lhes, sem não antes aplicar reprimendas rigorosas, com o mais moderno vídeo game, o computador possante com acesso à Internet, tênis da moda e tudo o mais que os envaidecia possuir. As freqüentes brutalidades com Amélia eram recompensadas com jóias e vestidos novos. Tinha orgulho de dizer que trabalhava muito, sempre pensando nos filhos e na sua esposa.

Amélia nunca deixara de reconhecer a tenacidade laboral de seu marido e fartava-se ao elogiá-lo. Mas, no fundo de seu coração, sentia muita falta de um pouco de alegria em sua casa. Nem se importava, pensava intimamente, com menos bens materiais, desde que também pudessem, todos, rir com mais freqüência e ter de seu marido um pouco mais de atenção e carinho. Esse modelo, contudo, não se encaixava no perfil do tosco Miguel, e assim continuou inalterado.

Um dia, Miguel, ao cabo de impetuosa faina e de tanto se amargurar com tudo, com todos e por motivos incompreensíveis, viu-se privado de boa saúde. O humor que já era ruim piorou. Amélia ainda tentou repetir a velha pregação: “A falta da felicidade interna, Miguel, atrai doença e nos rouba o vigor”. Mesmo dizendo concordar, Miguel não conseguia ser diferente. Estava nele, estava no labirinto da alma confusa que o destino lhe dera, aquele enigma até agora e para todo o sempre, indecifrável.

Amélia quedou-se triste e conformada, perguntando a si mesma: Quem sabe não é assim que ele se sente feliz?

Edson Pinto
Maio’2009

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