10 de jun. de 2009

83) SÓ COM MAGIA NEGRA


Ainda hoje, muita gente por esse mundo afora acredita poder realizar seus desejos, causar males a seus inimigos ou até mesmo conseguir um amor racionalmente impossível pelo uso da magia, da feitiçaria.

Desde o mundo grego, adentrando o Império Romano, cruzando toda a Idade Média e ainda presentes nos nossos dias, feitiços e fórmulas mágicas que desafiam a racionalidade são recursos utilizados com o intuito de se atingir algum propósito. Mesmo quando meios concretos podem levar ao sucesso, tem gente que prefere o caminho do sobrenatural.

Por isso, mesmo sabedor que era da impossibilidade, no mundo real, quis eu ficar invisível e assim poder permanecer quietinho nas salas do Planalto para me inteirar do que aquelas cabeças criativas andavam matutando com vistas à viabilização do terceiro mandato de Lula. Não só para o júbilo dele próprio, Lula, é claro, mas para que continuassem acomodando por mais 4 anos, no mínimo, toda a turma que já houvera moldado seus beiços às formas peculiares das tetas da mãe pátria.

Nem me passou pela cabeça usar os recursos do delegado Protógenes de grampear todo o mundo. Isso daria muito trabalho e além do mais, concluí, a turma está arisca e anda fugindo de telefone como o diabo foge da cruz. Alternativamente, fui buscar em velhos livros das ciências ocultas dos magos de antanho uma fórmula que me tornasse invisível. Procedi, então, conforme lá ensinado: “misture um olho de macaco, uma flor de peônia em azeite de violeta e amasse da direita para a esquerda. Faça uma unção na testa com a tal mistura e pronto, ficará invisível”.

Minha mulher nem me viu sair de casa, senão teria pedido para trazer pão na volta; Ninguém me viu entrar no "Aerolula" que encontrei reluzente e festivo em Congonhas. Lá dentro, sorvi champanha da melhor qualidade e caviar fresco sem que ninguém percebesse. Também, o suprimento era farto como nunca antes na história deste país.

Em Brasília nem precisei pegar um taxi. Invisível que era, entrei no carro de Michael Temer que naquela instante ajustava proa no sentido do Palácio para importantes negociações com a cúpula do governo sobre o 3º mandato. Já começava a me sentir bem informado acompanhando – sempre invisível, é claro – algumas conversas de Temer com seus assessores. Vi papéis que registravam números inteiros seguidos da letra M, maiúscula, que logo entendi referir-se a mega ou milhões. Assim, 40M significava 40 milhões. Nomes vários; siglas de diversos partidos políticos; CNPJ’s de empresas estatais e nomes de muitas construtoras. Algumas conhecidas. Outras com nomes apenas seguidos das letras “ASC” que mais adiante entendi como sendo “a ser criada”. Isto é, a construtora ainda nem existia, mas já fazia parte da lista de contribuintes.

Quase cometi a audácia de sair do carro carregando a pasta do Temer. Contive-me a tempo, pois o sobrenatural fato de uma pasta flutuar sozinha certamente mexeria com os miolos do nobre deputado, e aí, tudo o mais poderia acontecer. Entrei com ele na mesma sala. Quanta gente importante estava lá, confabulando, calculando, trocando papeizinhos em que constavam números de contas bancárias, apelidos de doleiros, nomes de paraísos fiscais e listas de afilhados seguidos dos cargos que pleiteavam em importantes estatais!

Após gentis negociações entre as partes, e não poderia ser diferente, pois quem pagava a conta de todas as concessões não estava lá, ou seja o povo, o chefão de todos bate o martelo – modo simpático de dizer – pois, na verdade, bate os quatro dedos de sua mão esquerda sobre a mesa, dizendo: Combinado, então, companheiros! Ao saírem, não se esqueçam de dizer que estávamos discutindo como o ministro Jobim terá que convencer os franceses da nossa astúcia em usar uma sonda da Petrobrás para encontrar a caixa preta do AF447, tal qual eu já prometi. Ora, quem acha petróleo a 6000 metros de profundidade, no pré-sal, não vai encontrar uma caixa preta a 4000 bem no meio do sal? Insistam nisso! Certo, companheiros?

A essa altura, confesso, já tinha me arrependido de ser invisível, ouvindo tudo aquilo sem poder ao menos, também, garantir um pequenino naco que fosse daquela ampla e ilimitada distribuição de gentilezas pelo apoio ao 3º mandado.

A turma toda troca os risinhos marotos por caras de homens sérios e sai pelos corredores do Palácio circunspectos. Declaram aos microfones da imprensa suas tristezas pelas mortes do trágico acidente aéreo, mas afirmam, quase em lágrimas, que o governo está fazendo o possível para que, em breve, Nelson Jobim entregue a caixa preta do Airbus desaparecido, bem como a transcrição das mensagens dos pilotos captadas pelos sistemas de escutas da ABIN e da Polícia Federal.

Sem mais o que descobrir, enfio a mão no bolso e leio as instruções para voltar a ser visível, isto após ter caminhado do pôr-do-sol até o amanhecer quando, então, a fórmula mágica seria pronunciada:

“Marmariaotb marmaipbengue, faça-me visível para os homens ao meio-dia de hoje, já, já, pronto, pronto”
Agora que sei que o 3º mandato já está encomendado, só me resta aplicar outro dos ensinamentos de magia para tentar matar essa pretensão. É o que ela me orienta: “pegue uma placa de chumbo e escreva nela com um estilete de bronze a expressão “3º mandato”, unja tudo com sangue de morcego; abra o ventre de um sapo e coloque-a dentro; costure com fio de anúbis e uma agulha de bronze. Enterre-o numa vala aberta no Paranoá junto com pelos da ponta do rabo de uma vaca negra. Ao leste desse lugar, perto do amanhecer, pronuncie estas palavras”:

“Senhores anjos, da mesma forma que esse sapo se abre e seca, assim também o 3º mandato os conjura a vós, os que estão acima do fogo...”

Edson Pinto
Junho’09

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