7 de ago. de 2009

91) SE A JUVENTUDE SOUBESSE...



Michael, 40 anos, reclinou-se feliz enquanto, de seu automóvel estacionado ali em frente à escola, via seu casal de filhos pré-adolescentes aproximarem para serem levados, com a alegria de sempre, para casa. Garotos lindos, saudáveis e felizes como ele sempre imaginara. Mais alguns poucos segundos e ambos já o estariam beijando como de hábito acontecia ao menos 2 vezes por semana. Michael era o protótipo do que se convencionou chamar de pai presente, figura cada vez mais rara neste mundo de competição desmesurada.

Aqueles poucos segundos até o beijo dos filhos foram suficientes para que Michael rememorasse o instante mágico em que assimilou a mais importante de todas as lições de sua ainda jovem vida: Estava com 28 anos, recém-casado, cheio de planos para a carreira profissional e sentado na sala de espera do vôo que o levaria à sua primeira viagem internacional de negócios. Não se continha em si mesmo só de pensar que dentro de alguns anos aquilo passaria a ser rotina. Decidira entregar-se de corpo e alma ao trabalho e já se vislumbrava nos cargos mais elevados da empresa. Alto salário, projeção social e poder...

Afortunadamente, ao seu lado, pensativo, encontrava-se também o homem que de forma espontânea iria presentear-lhe com a mais sábia de todas as lições que aprendera até então. Dr. Roberto, 80 anos, cabelos totalmente grisalhos, mãos e rosto de peles flácidas pela ação do tempo, não só percebera a ansiedade de Michael como se apresentara e puxara a conversa que mudaria a forma como Michael passaria a entender a vida:

“Ah, exclamou Dr. Roberto, se há 40 anos eu tivesse me dado conta de que além da minha carreira profissional devesse ter prestado mais atenção à minha família e aos meus amigos, eu teria feito tudo de uma forma bem diferente”.

“Preferi passar os finais de semana trabalhando naqueles projetos intermináveis, viajando loucamente para controlar as filiais, reuniões de negócios, eventos promocionais e coquetéis que nunca terminavam. Enquanto isso meus filhos e netos foram crescendo sem que eu percebesse. Foram para a escola com minha mulher, não raro sozinhos; aos estádios de futebol que tanto adoravam, iam com os pais dos amigos, pois eu nunca estava disponível. Não lhes acompanhei nas primeiras incursões às discotecas e até mesmo, quando se casaram, só me fazia presente nas cerimônias religiosas como se fosse um parente distante recém chegado para os eventos”.

“Reuniões familiares, jantares na intimidade de minha casa com amigos, festas juninas do bairro onde as crianças alvoroçavam-se ou mesmo os 80 anos de minha mãe quando a família toda se reuniu, confesso, não pude participar. Estava envolvido, ora com a inauguração de uma nova fábrica, ora com um seminário de tecnologia ou com um curso de aperfeiçoamento na matriz da empresa lá do outro lado do mundo”.

“Até o dia em que, por forças do planejamento estratégico da empresa, diga-se de passagem, que eu mesmo ajudei a elaborar, retribuíram com bons trocados, agradeceram-me pela carreira brilhante, deram-me um diploma emoldurado por fitilhos dourados durante um jantar de despedida e decretaram ali, para sempre e solenemente, o fim da minha jornada profissional. Voltei para casa onde já não estavam mais o filhos que haviam, desde há muito, casado e mudado. O meu próprio casamento derretera-se lenta, mas implacavelmente há tempos pela minha ausência eterna. Afinal, eu tinha me casado com a profissão e o meu lar era a empresa”

“Agora, mesmo que quisesse, não me é mais necessário nem possível levar os filhos, sequer os netos, à escola, nem ao estádio para assistir a uma partida de futebol, nem à discoteca. Eles já se fizeram independentes e bateram asas. Para dizer a verdade, passo boas horas dos meus infindáveis dias folheando antigos álbuns de fotografia para lembrar as faces de meus filhos e netos quando estavam na escola primária, depois quando adolescentes. Eu não estava na foto que fora tirada na porta da igreja quando o mais velho casou-se. Chegava de uma viagem de negócios e só adentrei a igreja quando todos já perfilavam para o início da solenidade. Verdadeiro vexame”.

“Vejo, hoje, os vizinhos recebendo amigos e parentes para um churrasco fraterno em que muito se ri. Rolam músicas, cerveja e cantorias desafinadas. Mas, tudo refletindo alegria sincera. Todos parecem deleitar-se com coisas simples que eu me privei de ter, também. Não é fácil construir uma rede de amizades depois de certa idade. As amizades são feitas ao longo de décadas e marinadas nos infortúnios e alegrias do dia-a-dia. Agora, passo o tempo lustrando meus bens materiais, mas eles não falam, não têm sentimentos, não compartilham minhas mágoas e frustrações. Sou definitivamente um homem só. Lá na empresa são, agora, apenas caras novas. Não conheço mais ninguém. Mesmo que os antigos ainda lá estivessem, seriam apenas colegas de empresa. E colegas não são necessariamente amigos. São relacionamentos lógicos, muitas vezes frios, voltados para o trabalho e que se desfazem quando fora daquele ambiente”.

“Meu jovem Michael, cada um de nós escolhe a vida que julga mais conveniente a ser seguida, tudo tendo em vista os propósitos que impomos a nós mesmos. Mas, se eu pudesse voltar no tempo faria tudo de forma bem diferente. Continuaria trabalhando, responsavelmente, é claro, mas jamais descuidaria de minha família, especialmente de minha mulher, de meus filhos e netos. Cultivaria mais amigos e daria mais valor às coisas simples da vida, mesmo que os cargos máximos da empresa fugissem do alcance de meus sonhos”.

Os filhos beijaram Michael e ele respirou fundo como se fosse para recobrar-se daquele arrebatamento intimo que confirmava a sensatez de sua decisão em ter acatado a experiência de vida do Dr. Roberto. Não ter repetido todos os seus erros para só mais tarde, e quando nada mais pudesse ser feito, descobrir que tivesse errado foi para Michael a maior de todas as lições que aprendera.


Edson Pinto
Agosto’09

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