2 de ago. de 2009

90) O PRIMEIRO TERREMOTO NUNCA SE ESQUECE


Meu filho caçula, Felipe, acaba de voltar de um ano de estudos no mais lindo de todos os países centro-americanos, que, não sem razão, ganhou de Cristovão Colombo quando de sua quarta viagem à América e em retribuição ao privilégio de tê-lo descoberto, o adequado e merecido nome de Costa Rica.

Para refrescar as nossas memórias tão fatigadas com os escândalos inesgotáveis da politicagem brasileira, lembro que esse magnífico país de climas tropical e subtropical ameno em altitudes, tais quais os nossos, desfruta de uma privilegiada posição geográfica acima do Panamá e abaixo da Nicarágua. Para aquele povo progressista e hospitaleiro, Deus ainda lhes deu 2 litorais, o do Mar do Caribe, a Leste, que dispensa comentários e outro a Oeste, do lado do Pacifico, que juntos com a exuberância de sua fauna e flora fizeram do Turismo o motor de sua economia, propiciando-lhes um IDH (índice de desenvolvimento humano) elevado: 0.847.

Emoldurado por esse cenário paradisíaco é que Felipe, 20 anos, garoto sério, aparentemente tímido, mas, de ferrenha vontade própria, fruto de sua desenvoltura e coragem impressionantes, lá se meteu por um ano inteiro. Estudando em Heredia freqüentava a capital San José - cerca de 20 minutos de ônibus - com grande freqüência e praticamente para tudo. Fazer umas compras, ir ao cinema, encontrar uma garota e para lá se dirigia Felipe acompanhado de amigos ou, se não disponíveis, mesmo sozinho.

Numa dessas idas a San José, sozinho, Felipe entra no Mercado Municipal da cidade já depois de bater pernas em excesso e, faminto, senta-se à mesa de uma de suas lanchonetes para o almoço que nunca lhe parecera tão desejado quanto apetitoso. Era tudo o que um estudante orgulhoso por não ficar pedindo frequentemente dinheiro ao pai estava disposto a gastar naquele dia de sol tropical.

Dado o primeiro gole na coca-cola e experimentado a primeira garfada do casado, prato típico da cultura costarriquense, que inclui, entre outros, carne, feijão e arroz, Felipe, de súbito, é apresentado à grande experiência que jamais irá esquecer:

Naquele dia 8 de janeiro de 2009, por volta das 14 horas e com o sol a pino, a terra treme na magnitude de 6,1 graus da escala Richter. A sensação foi a de ter caído dentro da lavadora de roupas ligada, é claro. Durou ¼ de minuto, tempo mais do suficiente para que todos os moradores locais, já suficientemente acostumados com esse incontrolável fenômeno da natureza, saíssem em disparada em busca de uma posição no meio das ruas, longe de prédios, de tetos e de outras coisas que pudessem desabar sobre suas cabeças.

Felipe, sem experiência nessa matéria e muito cioso da importância daquele prato farto de casado, decide que não seria uma inusitada sacudidela nervosinha que iria fazê-lo abandonar a refeição tão necessária e já devidamente paga. Na verdade, confessa, até pensou em sair como todos também do Mercado, porém levaria o prato e a garrafa de coca-cola. Afinal, o tremor já tinha passado e nada havia ainda desabado. Permaneceu, portanto, ali, sentado, entre espantado e confuso até que o último grão de feijão tivesse sido empurrado pelo último gole da coca-cola geladinha. Só aí saiu calmamente do recinto.

Mais tarde, já entre sirenes que cinematograficamente ecoavam por todos os lados no apoio aos feridos, resgate de corpos e outras mazelas próprias de um terremoto de grandes proporções é que ficou sabendo da razão pela qual as pessoas buscam sempre um lugar aberto para se proteger tão logo sobrevenha o primeiro sismo. Em geral, o terremoto traz o que chamam de "replicagem", isto é, dada a primeira onda, há, invariavelmente, uma segunda ou terceira ou mais que, com raras exceções, vêm em graus da escala Richter mais fortes ainda. A experiência mostra que o primeiro momento do terremoto, ironicamente falando, pode ser o mais seguro, e - como se fosse um alerta - deve-se procurar proteção.

Felipe não sabia disso, por isso ficou saboreando indiferente o seu arroz com feijão e livrou-se, como agora confessa, do “mico” de correr com prato e refrigerante nas mãos, pois disso – ao que parece e devido às circunstâncias – por nada neste mundo haveria de fazer concessões.

Por sorte, e graças ao bom Deus, a segunda onda do sismo veio, contrariando a lógica, bem fraquinha. O pior já tinha acontecido...

Edson Pinto
Agosto’2009

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