13 de jun. de 2010

124) CORAGEM E LIBERDADE




“Primeiro, vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era comunista, calei-me. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era judeu, não protestei. Em seguida, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não era sindicalista, fingi não ver. Vieram também buscar os católicos e, como eu era protestante, permaneci omisso. Então, quando vieram buscar-me, já não restava ninguém para protestar.” (Martin Niemöller)Estamos vivendo a grande alegria quadrienal da Copa do Mundo de futebol. Lembro-me bem de pelo menos 13 das 18 já disputadas. Essa 19ª tem, contudo, especial razão para ficar gravada por muito tempo em nossas mentes. À parte a expectativa de todos nós brasileiros de que a nossa seleção canarinha reúna condições de nos dar alegria imensa com a conquista de um novo título, vale o extraordinário fato de que ela, a Copa, ocorre pela primeira vez no continente africano, bem na terra de Mandela.

Por que Nelson Rolihlahla Mandela, também conhecido na sua pátria pelo nome de Mandiba, é reverenciado não só pelo seu povo, mas por grande parte da humanidade? Mandela lutou e conseguiu vencer, ao preço do cerceamento de sua liberdade por quase 30 anos, o repugnante regime racista do apartheid. Os negros de sua pátria, a África do Sul, embora em esmagadora maioria populacional, viram-se, por décadas, discriminados dentre de sua própria terra pelos irmãos brancos que tudo dominavam.

Muitos exemplos de cerceamento de liberdades estão registrados na história da humanidade. Havia os povos escravizados no Egito, os povos que derrotados em guerras passavam à condição de escravos. As grandes descobertas dos séculos XV e XVI introduziram mundo afora a escravidão, principalmente dos negros africanos e mesmos dos nativos indígenas para servirem de mão de obra barata para as nações colonizadoras.

No Brasil, só ao crepúsculo do século XIX, conseguimos libertar nossos negros do julgo do senhor escravocrata. Quem tem mais de 50 anos ainda há de lembrar-se que os Estados Unidos, a grande pátria da liberdade e do progresso, discriminou seus negros até meados do século passado. Foi por isso que Martin Luther King deu a sua vida e tantos outros também o fizeram para que as injustiças fossem reparadas.

Da África, de quem, por sinal, herdamos boa parte de nossa cultura, dá para ver, tal qual vista em outras partes do mundo, inclusive aqui, que o preconceito racial, embora não mais tão arraigado, dá lugar a outro tipo de preconceito, o ideológico. O sentido da escravidão, ou seja, a sujeição do homem pelo homem para fins econômicos pode ser substituída pela submissão ideológica em que valores essenciais e o direito inalienável de expressão, infelizmente, ainda tendem a ser pautados por uma minoria mandona. Os tiranos e déspotas fazem com a imposição arrogante de suas ideias o papel que antes os senhores de engenhos faziam sobre os negros escravos que legalmente lhes pertenciam.

Não foi preciso carta de alforria como beneplácito dos mandões de olhos azuis da África do Sul para que aquele povo alegre e trabalhador ganhasse a liberdade. Mandela, mais do que o articulador maior do movimento antiapartheid simboliza para a sua pátria, a África do Sul, para toda a África negra como um todo e para os homens de bem de quaisquer partes do mundo o sentido pleno do que é ser livre. Ser livre é, pois, ser senhor de suas vontades e escravo, tão somente, de sua própria consciência, como nos disse Aristóteles.

Estaria o homem, paradoxalmente e de fato, condenado a ser livre?”

A vida é uma luta permanente e somos a cada momento forçados a tomar decisões. Temos o livre arbítrio e isto implica até mesmo em aceitar que muitos de nossos semelhantes se sintam mais confortáveis em seguir as ordens dos outros do que as geradas na sua própria consciência. Para muitos, infelizmente, isto parece mais fácil, pois dispensa o necessário esforço intelectual e o desgaste emocional inerente ao ato de discordar. Mas é escravidão...

Se quisermos ser livres, verdadeiramente, temos que participar. E participar implica em usar os nossos direitos de questionamentos na busca da verdade. Martin Niemöller que nos presenteou com a bela reflexão reproduzida na abertura deste texto tinha em comum com Mandela a consciência de que os “mandões”, falsos mestres, aqueles que querem decidir pelos outros de forma arrogante podem nos levar ao pior dos mundos. O Nazismo é prova disso. Interagir, questionar, não se omitir, manter-se alerta são as formas que nos levam à liberdade essencial. Trocar esta por algum grau de segurança efêmera não nos faz merecedores nem de uma nem de outra.

A vida é uma sequencia quase interminável de lutas. Saímos de uma e entramos em outra. Somos levados a tomar decisões, exercitar o nosso livre arbítrio se quisermos, é claro, a liberdade. Pessoas há, contudo, que preferem o conforto da passividade como forma de se evitar o extenuante e cansativo processo de tomada de decisões. Seguir ordens pode-lhes ser mais cômodo uma vez que exaure pouco de suas emoções e poupa-lhes do desgaste ao optarem por fazer tão somente o que lhes mandam. Se não der certo, basta dizer que estavam apenas fazendo o que lhes foi instruído fazer.

Mandela disse um rotundo “Não” quando lhe propuseram trocar a pena de prisão perpétua por uma liberdade condicional desde que não mais se manifestasse contra o regime do apartheid. Preferiu mais anos de cadeia até que as circunstâncias em evidências massacrantes fizessem por se impor ao estúpido cerceamento de liberdade de seu povo. Venceu, como vencerão sempre os que não abrem mão de seus direitos de participar em quaisquer temas da vida.

Embora no campo das técnicas futebolísticas pareça improvável que o nosso Parreira consiga levar a África do Sul ao título máximo do esporte bretão, fica, contudo, a certeza de que em termos de coragem e liberdade, Mandela, como símbolo de seu país, já é o grande campeão.

Edson Pinto
Junho’2010

2 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

A Copa do Mundo de futebol constitui-se em um momento mágico, especial, para grande parte da humanidade. Bilhões de pessoas mundo afora assistirão aos jogos pela TV. Puro entretenimento recheado de apelos estéticos ímpares e emoções superlativas.

Mas dá também para ver esse momento áureo da manifestação humana via o desporto, como uma lição que transcende ao mero deleite pela apreciação da beleza e plasticidade desse grande esporte. Há, sim, pontos de contato com a vida mais abrangente e, saibam, viver - quer queiramos ou não - pode ser comparado a uma grande partida de futebol e como tal há vencedores que merecem a taça.

Refletindo sobre isso escrevi o texto CORAGEM E LIBERDADE para fazer uma ligação entre estes dois valores fundamentais em nossas vidas (coragem e liberdade) com a magia do esporte que tanto amamos.

Boa semana a todos e que já na terça-feira, 15/6, possamos comemorar com muita alegria a vitória do Brasil na sua primeira partida da Copa do Mundo!

Edson Pinto

Blog do Edson Pinto disse...

De: Francisco Araújo
Para: Edson Pinto

Muito legal, gostei do texto Amigo, independente de alguns ditadorezinhos e seus amigos usarem o esporte como o velho "circo-romano..."

Abração / FA