12 de nov. de 2010

144) JABUTICABEIRA ALUGADA

Não faz muito tempo, a vida dos jovens era bem mais simples do que hoje, mas, nem por isso, menos interessante:

Num final de semana, o programa da turma do bairro podia se resumir a uma pelada de futebol em campinhos improvisados nos terrenos baldios da vizinhança; uma hora dançante ou bailinho no porão da casa de um amigo quando da vitrola ouvia-se Nat King Cole, Ray Conniff, Paul Mauriat, Beatles ou mesmo Roberto Carlos. Mas, podia ser, também, como lá na minha Minas, a simples cotização para o prosaico aluguel de um pé de jabuticabas em Sabará.

Pode parecer estranho, mas é isso mesmo! Aluguel de um pé de jabuticabas para consumi-lo livremente até o último de seus frutos. Quem, tendo vivido a sua juventude na Belo Horizonte dos anos 60, por aí, não há de ter experimentado esse prosaico deleite? Juntavam-se amigos e amigas para a divisão do custo de aluguel por um dia inteiro de uma jabuticabeira em sítios da próxima cidade de Sabará, bem ali no entorno da metrópole que na época já crescia além da medida.

Por razões que só a natureza pode explicar o solo e as condições climáticas de Sabará propiciam o florescimento da Myrciária cauliflora, nome científico de uma das mais brasileiras de todas as árvores frutíferas, a jabuticabeira. Seu fruto de casca pretinha como o ébano, polpa branca adocicada como o mel e que nos propicia aquele estalo metafísico quando premida entre a língua e o céu da boca, é o que se enquadraria - desculpe-me a hipérbole - no rol das extravagâncias do Criador. Fizera-a quando a inspiração Lhe abundava a suprema criatividade. Puro enlevo, marcador nostálgico dos áureos tempos pretéritos.

Essa aparente prima da clássica uva só lhe tem em comum a forma esférica e a consistência de certo modo assemelhada. Mas, é só isso, pois a jabuticaba brota diretamente no tronco da árvore com a dispensar de modo altivo a intermediação de galhos, cachos e folhas. Ela é tão senhora de si que a natureza apenas lhe deu o suporte do tronco de uma Myrciária para vir ao mundo encantar e nos deliciar. De uma jabuticabeira pode-se dize tudo, menos que ela não seja o desejo de todos em ter-lhe um exemplar plantado no fundo de nossos quintais. Chegará o dia em que uma medalha da Ordem Nacional do Mérito, no grau de grã-cruz, ser-lhe-á destinada para galardoar-lhe com absoluto e incontestável mérito os relevantes serviços prestados à nação brasileira.

É claro que apenas se empanturrar de jabuticabas não era o único propósito daqueles programas dominicais. A algazarra, as discussões genéricas com seus argumentos pueris e descompromissados, os flertes desprovidos de malícias e todo o universo de sociabilidade que ali se estabelecia, faziam-nos mais maduros enquanto a jabuticabeira ia se tornando desnuda. Não é exagero dizer que, sob a copa de uma jabuticabeira, podíamos ver melhor o mundo que se desenhava para um porvir ainda longínquo. As amizades se faziam mais fortes quando identidades se estabeleciam ou se provavam débeis a ponto de marcar divergentes posições filosóficas e políticas entre aquela plêiade juvenil. Namoros nasciam; amizades se consolidavam ou se rompiam; planos, promessas e previsões eram feitas. As jabuticabas se esgotavam, mas a vida ali debatida e redefinida continuava a dar os seus frutos.

Hoje, quando reflito sobre como as pessoas divergem em seus modos de pensar e agir; como se posicionam à esquerda ou à direita; como são muito alegres ou muito tristes; como são otimistas ou pessimistas; como adoram viver ou como odeiam estar neste mundo, fico sempre com a lembrança daquelas jabuticabeiras. Tivéssemos, todos, tido a oportunidade de ser sociabilizados sob jabuticabeiras haveríamos, com toda a certeza deste mundo, de termos, sim e ainda, divergências de posturas, mas desprovidas do ódio que despreza, discrimina, afasta pessoas, cria inimizades, mata e nos faz morrer.


Edson Pinto
Novembro’2010

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Todos nós ao longo da vida já devemos ter alugado algo: uma casa ou apartamento; um carro; um DVD; um traje de festa ou coisa parecida. Mas, pouca gente sabe que - pelo menos em Minas Gerais - é possível alugar um pé de jabuticabas. Duvida? Veja no meu texto desta semana, JABUTICABEIRA ALUGADA, o como, o porquê e o efeito que isso tinha, não faz muito tempo, sobre a formação social dos jovens.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto