18 de nov. de 2010

145) QUESTÃO DE FÉ

Havia combinado com minha mulher dar um pulinho até o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, ou simplesmente, Aparecida do Norte, que não visitávamos há vários anos. Dista a apenas e exatos 168 km de São Paulo, no vale do Paraíba paulista. Em condições normais de trânsito, é tarefa para menos de 2 horas de estrada com direito a um pitstop no Frango Assado, a meio caminho.

Coisas da fé para agradecer - in loco - algumas graças alcançadas e ao mesmo tempo renovar pedidos para outras. É sempre bom estarmos quites com os céus, pois o temor pelas consequencias de eventual inadimplência nesta matéria nos torna menos propensos a continuar pecando sem limites. Domingo, 14, véspera de mais um feriado desses tantos que já começam a nos dar a fama de povo pouco trabalhador, o Dia da Proclamação da República do Brasil. Nada mais justo, então, do que professar a fé em um dia e comemorar, no seguinte, a troca da monarquia vitalícia, de sangue azul, pela monarquia quadrienal, renovável por mais quatro. Pareceu-nos, deste modo, uma programação tão lógica quanto nobre.

Carro fora da garagem! Dia de pouco sol, um tanto carrancudo, mas de temperatura agradável. O plúmbeo das nuvens não chegava a tão intenso como são as cúmulos-nimbos portadoras de dilúvios e trovoadas, mas, sim, de um cinzento médio, baixas, típico das cúmulos-estratos que trazem precipitações em doses bem moderadas. Para quem deixou de ir à praia, ao contrário do que fazem milhões de paulistanos, até que aquilo funcionava como certa compensação psicológica. Vai chover! E neste caso, é melhor dar as caras em um santuário para professar fervorosamente a crença em Quem nos redime dos males da vida, do que em uma praia com a mundana babaquice de ficar maliciosamente classificando de zero a dez os bumbuns da temporada.

Ao avançarmos pela marginal do Tietê já começamos a ver diferenças: Quem vive nesta cidade há décadas, como eu, há de se lembrar da feiúra que era o trecho do Rio Tietê entre a Penha e o Cebolão, no início da Castello. O rio e a avenida marginal antigos, com suas barrancas irregulares, matagal descuidado, pistas estreitas, precárias e o pútrido odor que exalava de suas águas poluídas agora nos parecia bem melhor. Não se pode dizer ainda que, em dias muito quentes, não sintamos a fetidez emanada de suas águas turvas de esgoto não tratado que lhe é jogado nas veias, mas, o leito do rio, agora desassoreado; as suas margens regularizadas e cimentadas e as milhares de árvores recém-plantadas já começam a dar a ideia de uma nesga ciliar. As pistas da avenida marginal aumentadas, com novo asfalto; novas iluminação e sinalização predispõem-nos para um passeio prazeroso. Afinal, era domingo, “pé de cachimbo, o cachimbo é de barro, bate no jarro, o jarro é de ouro”...

Em pouco mais de uma hora já tínhamos vencido toda a Marginal do Tietê, entrado na Ayrton Senna, passado por Guarulhos, conectado com a Rodovia Presidente Dutra, passado por Arujá, Jacareí, São José dos Campos, Caçapava e chegamos à Taubaté. Deste ponto até Aparecida - iríamos ainda passar por Pindamonhangaba e Roseira - seriam mais 42 quilômetros e finalmente a Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Mas, de repente, um congestionamento monstruoso. Um “anda-pouco-para-muito” se estabeleceu pelas próximas 4 horas. Apenas 20 dos 42 quilômetros finais haviam sido percorridos. Parecia-nos que todos os brasileiros - e olha que somos milhões - decidiram visitar no mesmo dia a virgem em seu santuário. A tarde já ia longe quando decidimos, no primeiro retorno possível, abortar a viagem.

De volta à casa, vejo na Internet e depois me confirma o noticiário da TV: “Foram 11 horas de congestionamento no caminho de Aparecida. Policiais que trabalham há mais de 20 anos na Dutra dizem nunca ter visto um movimento como este; 42 quilômetros de lentidão. Balanço preliminar do Santuário Nacional aponta 235.000 visitantes na cidade, neste domingo, 14 de novembro de 2010. A cidade lotou e os visitantes só conseguiam parar seus carros na estrada a quilômetros do Santuário”

Agora, sentado diante o meu computador e com a frustração de ter perdido o dia entre automóveis, caminhões e ônibus às dezenas de milhares, fico a me questionar:

__ Será que Nossa Senhora Aparecida nos perdoará por não termos nos esforçado o suficiente para chegar até a sua casa? Faltou-nos fé?

__ Será que há pecadores em excesso e estrada de menos, ou será que deveríamos pecar e pedir menos, de tal modo a reduzirmos as visitas ao seu santuário?

__ Será que as agruras do congestionamento já não fazem parte da penitência pelos erros que vimos cometendo?

Tudo é possível, inclusive a ideia que acaba de me ocorrer: Que tal se Nossa Senhora, considerando nossa dificuldade de locomoção e incompetência em planejar visitas em momentos mais adequados, passasse a nos permitir contatos com Ela pela Internet? Assim, diretamente de nossas casas, de onde, como tudo indica, em breve já não conseguiremos mais sair, possamos rogar-Lhe perdão pelas ofensas e pedir-Lhe que interceda em favor de nossas misérias, especialmente para iluminar as mentes dos planejadores públicos da área de transporte. Quem sabe se, assim, o trem-bala a ser construído entre São Paulo e o Rio de Janeiro, de fato, considere uma estação na cidade de Aparecida.

Edson Pinto
Novembro’2010

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Edson Pinto

Caros amigos:

Longe se vão os tempos em que professar a fé era uma tarefa mais fácil, pelo menos quando incluímos a necessidade da peregrinação. Dependemos, agora e mais do que nunca, do carro, das estradas e principalmente do tamanho da fé que toma conta de tanta gente em simultâneo..

Nesta semana, escrevo uma crônica para relatar a experiência real que é - em tempos de fartura de feriados no País - chegar até ao santuário de nossa devoção. Vejam se gostam de QUESTÃO DE FÉ!

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto