18 de fev. de 2011

153) DA NATUREZA DAS COISAS - parte 3

 ... continuação (final)

Podia ser vista quase todos os dias, linda como Afrodite, verdadeira deusa do amor, saindo na direção da mina. Ali, na planície um pouco distante das instalações da mineradora, sob árvores que margeavam a estrada, fora vista em palestras nada convencionais com o jovem engenheiro, o Terceiro Alguém, que decidira ter-lhe como a posse do momento. Nem os indícios recorrentes que tivera de que o Marido já estava informado das suas andanças mal explicadas fora suficiente para amainar-lhe a intensidade da aventura. Afinal, adorava viver à beira do abismo. Era da sua natureza. E o que mais prazer lhe daria, do que mostrar-se atraente àquela jovem conquista e até mesmo despertar a inveja de suas amigas de maior intimidade?

Há testemunhas que juram ter visto um vulto traspassar a soleira da janela da casa da Mulher do Marido quando a lua mortiça iluminava, em conluio, aquela noite de brisa mansa. Só poderia ser o Terceiro Alguém. Disto o Marido, por vias que não se sabe quais, fora informado. As amigas verdadeiras alertaram para o exagero da traquinagem e tentaram em vão reprimir-lhe os ímpetos. “Pura inveja dessas mal-amadas!”, teria confessado a si mesma no mesmo momento em que não pestanejou marcar nova aventura para a noite próxima. Era verão, meio da semana, o ruído do ventilador de teto do seu quarto abafaria perfeitamente nos ouvidos das crianças a plangência de seus afagos sobrepondo-se aos do Terceiro Alguém.

Nem por sonho poderia imaginar o Marido retornando de mais uma viagem sem antes ter-lhe fornecido, como sempre fazia, o minucioso roteiro que indicava dia e horário. Mas, o Marido chegou furtivamente, tomou certas providências e foi sangue frio o suficiente para aguardar até o momento dos mais ardorosos ais.

No dia seguinte, no velório da Mulher do Marido, não se falava de outra coisa: Que vestido novo lindo ela trajava. Melenas douradas presas em lenço de cetim carmim davam-lhe pureza insuspeita. As bijuterias finas que ornavam seu colo largo até pareciam jóias de alto valor e, mesmo que não fossem, tudo lhe combinava de forma perfeita. Certamente - cochichavam entre si as mulheres com ar de falsa surpresa, mas repleto de malícias - o Marido as havia trazido no dia anterior.

Agora, o Marido nem se fez presente, já tinha voltado ao trabalho. Afinal, havia de se cumprir, também para si, a ordem natural das coisas...

“Dizem da corrente que era passageira -
Deus este segredo tem guardado.
Comigo para sempre permanece a vez primeira
Que dos sinos ouvi o pecado.
Ficou dos sinos terror em mim,
Pois na penumbra tocavam “fim””.
(Jean Ingelow)


Edson Pinto
Janeiro’2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Essas coisas de ciúme sempre terminam de uma maneira difícil de ser prevista. O pequeno conto que eu escrevi em 3 partes e cuja última publico hoje, pode, no entanto, ter terminado da forma que a maioria dos meus leitores, suponho, imaginava. Confiram DA NATUREZA DAS COISAS. (parte 3 e final)

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto