9 de jul. de 2011

172) AVENTURAS DE AURELIANO - V (final)


Aureliano, o Bu, não se dava bem com a condição de baixinho. Reconhecia-se como tal, mas tinha lá os seus truques para tirar a má impressão dos visitantes do escritório em que trabalhava. Era vaidoso. Aparecia alguém pela primeira vez e Aureliano, por detrás de sua mesa, se punha na ponta dos pés e assim permanecia até que fosse percebido. Precisava ser respeitado e, como alguém - perguntava a si mesmo - de pouco mais de 1,50 m, poderia passar confiança? Não precisava disso, pois seus colegas o respeitavam de forma incondicional. Afinal, quem levaria ao laboratório aqueles frascos tão pessoais? Quem limparia os banheiros quando a faxineira não comparecia ao escritório? Ou quem correria aos bancos, aos correios, consertaria a máquina de escrever, dirigiria o carro do chefe e abriria e fecharia o escritório?

Mais o tempo passava, mais Aureliano se desdobrava para continuar servindo a todos. Já havia assimilado o episódio da sua candidatura a vereador quando, fora o dele mesmo, só tivera outro voto, nunca identificado. Alimentava a ilusão de que um dia a turma do escritório, o patrão, o gerente do banco, a moça do laboratório, a funcionária dos Correios, o amigo do boteco, Ubaldina e os filhos ainda iriam todos de uma só vez aplaudi-lo pela grandeza de sua missão tão nobre que era a de servir.

O patrão já sabia em quem confiar para a compra dos presentinhos a serem distribuídos naquele encontro de final de ano quando todos se confraternizariam depois do expediente:
__ Aureliano, você pega dinheiro no caixa e compra presentes de cerca de R$50,00 reais para cada um dos funcionários.
__ Cinquenta é muito Sr. Sérgio. A situação não está nada fácil. Vou me fixar em R$30,00. Era puro puxa-saquismo explicito ou verdadeiro amor à empresa, dependendo de que anglo se analisasse o fato. O patrão nadava em dinheiro, mas Aureliano condoia-se com a menor possibilidade de que ele estivesse gastando muito com os seus fiéis colaboradores. Às críticas dos funcionários pela indesejável ingerência de Bu no valor das lembrancinhas respondia com indisfarçável ar de responsabilidade: “Vocês só pensam em tirar da empresa e se esquecem de que se ela quebrar perdemos todos a oportunidade de estarmos juntos, como agora”.

Na hora da festa de final de ano e após um dia de tantos afazeres no escritório, Aureliano demonstra semblante triste. Em meio a brincadeiras, abraços, confraternizações sem fim, advêm-lhe uma dor de cabeça que foi se tornando cada vez mais forte. Seguiu-lhe certa sonolência, teve dificuldade para se expressar sobre o que sentia e dominou-lhe certa confusão mental. Antes mesmo de ser socorrido pelos colegas de escritório sentiu fraqueza na face, nos braços, pernas e finalmente desabou-se da altura de seus poucos mais de 1,50 m de altura. Deram-lhe um copo d’água, alguns comprimidos e o colocaram sentado para repousar na cadeira de couro legitimo da sala do presidente enquanto a festinha rolava.

Ninguém no escritório sabia que Aureliano estava tendo um AVC (acidente vascular cerebral), um derrame cerebral. Ninguém sabia, como muita gente hoje ainda não sabe, que um AVC pode ser totalmente revertido se a vitima for atendida no hospital em menos de três horas. Ninguém sabia, e poucos ainda sabem, que há um teste muito simples para se identificar um AVC: 1) peça a vitima para sorrir 2) peça a ela que diga uma frase simples, por exemplo: “hoje o dia está lindo” 3) peça que ela levante os dois braços. Se a vitima falhar na execução de apenas uma dessas tarefas deve-se procurar imediatamente uma clinica ou um hospital, pois ela sofreu um AVC.

Ao final da festa, passadas mais de três horas, é que levaram Aureliano ao hospital. O escritório tristemente foi então confrontado com o fato de que já não tinha mais o voluntarioso Aureliano, Bu, de burrinho de carga, e que tudo seria muito diferente daquele momento em diante.

No dia seguinte, lá estavam a turma do escritório, o patrão, o gerente do banco, a moça do laboratório, a funcionária dos Correios, o amigo do boteco, Ubaldina e os filhos. Antes de descer para o repouso eterno cobriram-no de lágrimas e aplausos, reconhecendo-lhe - como queria - que dentro daquela pequena figura de pouco mais de 1,50 m havia um gigante de bondade e de amor aos amigos que só queria servir. Era o reconhecimento que ele sempre quis.

Edson Pinto
Junho’ 2011

ET: Embora este texto seja um conto, portanto contendo alguma ficção, sobre uma base que é real (a existência do Aureliano) este episódio do AVC, principalmente o teste mencionado na parte final do texto, é verdadeiro. Deveria ser memorizado por todos. Afinal, um derrame cerebral, AVC, pode ser revertido se estivermos preparados para identificá-lo e conduzirmos a vitima imediatamente ao hospital.

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos


Caros amigos:

Termino nesta semana a série de 5 capítulos que escrevi sobre Aureliano, o Bu, mineirinho que passou por este mundo servindo.

Até no momento de partir, Aureliano deixou-nos, por vias indiretas, uma lição de vida.

Ao final do texto de hoje você encontrará a tal lição.

Recomendo a todos os meus amigos assimilá-la.

Bom domingo a todos!

Edson Pinto