2 de jul. de 2011

171) AVENTURAS DE AURELIANO - IV

Aureliano, o Bu, pouco mais de 1,50 de altura, não se conformava com o fato de que no Banco que freqüentava para os afazeres diversos do escritório e dos folgadões de lá, não era - como queixava algumas vezes - devidamente respeitado pelo gerente. “Deve ser uns três centímetros mais baixo do que eu, mas pensa que pode olhar todo mundo de cima para baixo”, exclamava em tom de mágoa cada vez que passava em frente à mesa do “metidinho” para então entrar na fila do caixa. “Um dia esse toquinho de gente ainda vai reconhecer o meu valor”, murmurava ressentido.

Nessa época, a casa que havia construído com o esforço de anos de economia e de finais de semana incontáveis em que literalmente pusera a mão na massa, encontrou uma oferta de compra. Estava ali a oportunidade de Aureliano dar um passo à frente. Andava dizendo aos quatro cantos, especialmente no escritório, que o patrimônio se constrói com anos afinco de luta. Mesmo que ao final do mês a sobra do minguado salário fosse suficiente apenas para a compra de um saco de cimento e de algumas dezenas de tijolos ele não hesitava. Construía mais uma parte de uma nova parede ou rebocava parte de outra já concluída. Era um verdadeiro João de Barro. Diga-se o que quiser sobre as maluquices de Bu, mas que ele era caprichoso, disso não se tinha dúvida. O serviço era sempre muito bem feito...

Como o dinheiro da venda da casa compraria um terreno maior em uma rua melhor no mesmo bairro. Haveria ainda dinheiro suficiente para comprar todo o material para a nova casa a ser construída por ele com a ajuda de Ubaldina, sua mulher, dos filhos e dos bons amigos que adoravam um mutirão de final de semana, desde é claro, que ao final rolasse umas cervejinhas e um churrasquinho de carne de segunda. Não tinha muito a pensar. A venda aconteceria em dinheiro vivo, afinal, o comprador, feirante em ascensão financeira tinha o hábito de guardar dinheiro vivo exatamente para um dia presentear o filho com uma casa pronta, pois o rapaz se preparava para o casório.

Aureliano não falava de outra coisa no escritório. “Vou vender a casa, morar uns tempos com a sogra enquanto construo a nova. Quando “minha mansão” estiver pronta, todos já se considerem convidados para um churrasco na laje. Ah, sim, a casa teria uma laje para eventos como esse. Mas, na sua cabeça passava um plano ainda mais importante: Ele pegaria todo o dinheiro, aquele montão de notas que o feirante haveria de lhe entregar e iria, advinha fazer o que? É isto mesmo! Se você pensou que iria depositá-lo diretamente com aquele metidinho, só para se fazer merecedor de atenções especiais, você acertou.

Dito e feito: Bu entra com sua pasta gigantesca toda recheada e, ao contrário de ir direto ao caixa, entra na sala do gerente. Não de forma arrogante, pois não sabia agir assim, mas com um ar de certa superioridade, ainda de pé para comprovar-se maior do que Juvenal, o "gerentinho", vai logo dizendo que tinha um grande depósito a fazer e que ele, fizesse a gentileza de chamar o caixa até ali. E não é que daquele momento em diante Aureliano passou a ser visto com outros olhos pelo gerente. Era tudo o que ele queria. Já quando entrava no Banco passava primeiro na sala do gerente para tomar um cafezinho e jogar umas conversas fora. Este começou a admirar Aureliano, figura simples, pensava, mas homem de dinheiro. Até me ajudou a cumprir a cota de depósitos captados do mês. “Mais um cafezinho Aureliano?” “Não Juvenal, deixa para amanhã, passou a esnobar”

No escritório Bu já não falava de outra coisa: “Se o Juvenal me ligar diga que não estou. Depois passo lá para um cafezinho”. Passou a apreciar a entrada triunfal no Banco acompanhado por um colega do escritório. Nesses momentos ele demonstrava sua familiaridade com Juvenal abusando de galhofas e dos cafezinhos servidos pelo próprio gerente. O terreno estava quase comprado e logo, logo, começaria a construção. Teria o prazer de ir sacando gradativamente sua poupança sempre com os rituais próprios de quem merece respeito.

Corria tudo bem, até o momento em que da televisão da casa da sogra, onde já se encontrava instalado com toda a família, ficou sem bem entender o que a ministra Zélia Cardoso de Mello quis dizer, em março de 1990, com a aquela “generosidade” de liberar até 50 mil cruzados novos das economias de cada cidadão, retendo para o bem do Brasil falido, o resto. Aureliano tinha milhões de cruzados novos e não assimilou de imediato as conseqüências que isso teria na sua vida. Descobriu-a da pior maneira possível, no dia seguinte, quando quis falar com Juvenal. Não foi atendido, não teve cafezinho e o pior, não tinha mais dinheiro para comprar o terreno e construir a sonhada nova casa.

Por muitos anos mais Aureliano, o Bu, ex-poderoso, continuou ouvindo os queixumes da sogra, de Ubaldina, dos filhos e o desprezo de Juvenal.

Edson Pinto

Junho’ 2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos


Faleceu, hoje, sábado, 2/7/2011, o honesto e peculiar ex-presidente Itamar Franco. Mineiro como o meu personagem Aureliano, não o Chaves (outro mineiro também presidencial e também já falecido), mas Bu, mineiro cheio de aventuras que, desde há algumas semanas, resolvi contar no meu blog.

O que há de comum entre Aureliano, o Bu, e Itamar Franco? Este consertou com sua teimosia e honestidade, via o seu ministro FHC, aquilo que Collor fez de mais nocivo à Nação: um plano econômico dos mais perversos.

Aureliano, o Bu, desencarnado há mais tempo, ficará muito contente quando recepcionar Itamar Franco lá no éter mitológico. Ambos fizeram da franqueza e da pureza de espírito seus motes de vida. Um serviu à Pátria, o outro serviu ao pessoal do escritório em que trabalhava como verdadeiro burro de carga. No fim, se encontrarão para se servirem mutuamente.

Bom domingo a todos!

Edson Pinto