17 de set. de 2011

180) REVOLUÇÃO DOS BICHOS


O delicioso romance de George Orwell, Revolução dos Bichos, deu-me a dica para o título da crônica desta semana. Há de se reparar, contudo, que o grande escritor britânico esbanja criatividade e boa literatura no seu clássico sobre as mazelas da política dos tempos em que vivia, enquanto o meu modesto texto tem enfoque pedestre sobre essas coisas simples que permeiam o nosso dia a dia. Explico melhor:

O casal de jacus saiu da mata e aboletou-se na palmeira recheada de coquinhos que temos na lateral de casa. Tem sido freqüente a visita dessa ave galiforme, de plumagem escura e papada avermelhada para buscar aqui o alimento que tanto aprecia. Impossível não vê-la, principalmente quando chega aos bandos. Chama-nos a atenção o porte avantajado e o absoluto frenesi que causa às demais aves que também se julgam no direito às mesmas iguarias e por isso querem ter domínio daquele pequeno território.

O corre-corre da vida tem me privado da prática do salutar hábito de observar essas criaturas que Deus colocou no mundo como a nos dizer que Sua sabedoria é ilimitada, surpreendente e perfeita. Os pássaros fazem parte dessa majestosa engrenagem e têm, por óbvio, muito a nos ensinar ao mesmo tempo em que nos encantam. Sim, a realidade é que eles também se revoltam, brigam entre si, exploram uns aos outros, tudo pelo supremo propósito de se manterem vivos ao máximo que puderem.

Tendo isso, de súbito, em mente, tornei-me mero expectador da inusitada cena quando os sabiás, primeiro, depois os pardais e os tico-ticos, começaram a empreender vôos rasantes e ameaçadores sobre os grandalhões jacus. Verdadeiro raid aéreo no estilo blitzkrieg da Luftwaffe de horripilante memória.

O nome científico da bela criatura é mais sugestivo do que o apelido popular que ganhou por estas bandas. “Penélope jacucaca” é a majestosa ave que habita a nossa Mata Atlântica cada vez mais dizimada. Se está a chegar ao nosso território, penso, isso só pode ser sinal de que as coisas andam pretas lá pelos lados da mata. Disso, poderia eu falar em outra ocasião. O que conta agora observar é que mesmo com exuberância e nobre linhagem a ave tem lá suas dificuldades para adentrar esse pequeno espaço já previamente dominado por outras espécies.

Além dos agressores mencionados acima, constato com agradável surpresa que meu quintal vem atraindo rolinhas cinza, pombas asa branca, assanhaços azuis, várias espécies de beija-flores, corruíras e pica-paus. Há, ainda, o laborioso joão-de-barro que se alterca, com justa razão e grande freqüência, com os sabiás e com os bem te vis.

As andorinhas já começaram a chegar e devem ficar por aqui até por abril do ano que vem enquanto tiver calor, é claro. Fazem, como se sabe, o próprio verão, mas se expõem em demasia aos bicos e garras fortes das aves de rapina que deram também para freqüentar o mesmo lugar. Assim, vez por outra, baixa da minha vizinha Mata Atlântica, felizmente preservada neste pedacinho de Brasil, gaviões-miúdos para abocanhar uma delas ou outra presa qualquer para o almoço do dia. Não raro é uma águia branca de olhar ameaçador a plainar sobre árvores na espreita de alguma proteína animal que sempre encontra.

Chupins malandros andam se apossando dos ninhos dos tico-ticos para lá botarem os seus ovos. Ivo, o fiscal da natureza daqui de casa, me afirma categoricamente que uma tico-tico amorosa chocou inocentemente mais um chupim e jura que ainda cobriu-lhe de cuidados maternos até que o mal-nascido bateu asas para seguir a carreira da mãe biológica.

Ah, como estão todos agitados montando ninhos, roubando ninhos, atacando jacus, emboscando uns aos outros! Os bem te vis andam invocados e chegam às vias de fato com os sabiás e com os arquitetos joões-de-barro. Tico-ticos disputam o néctar das plantas com agitados beija-flores. De vez em quando um óbito e aí aparecem urubus que se encarregam da limpeza. Este eu não vi, mas Ivo jura que até um carcará e uma saracura já marcaram presença neste meio onde pulsa mais vidas do que se imagina. À media que fomos substituindo as árvores exótica existentes no local como o Pinus elliottii, por árvores nativas, a passarada entendeu apropriadamente o novo espaço como extensão do seu habitat natural. Que bom!

Há harmonia em meio a essa verdadeira revolução dos bichos? Penso que sim! A natureza entende que a luta pela vida é a luta que vale a pena. Se até os animais, poupados que foram pelo Criador das coisas comezinhas, vivem em permanente luta pela vida, fico a pensar se a ilusão de que chegará o dia em que os seres humanos viverão em paz não passa de um contrassenso, uma rebelião impossível de ser vencida contra a natureza? Dá prá pensar!

A propósito, os briguentos quero-queros que também agitavam este território já há muito deixaram de vir. Ivo me afirma que os saruês andaram comendo os seus ovos e assim eles perderam a batalha...

Edson Pinto
Setembro’ 2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

A passarada anda indócil aqui pelos lados de minha casa. Por isso, dei-me a refletir sobre o que isso pode significar.

Vejam minha crônica desta semana REVOLUÇÃO DOS BICHOS!

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto