14 de set. de 2015

301) QUESTÃO DE VALOR


“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que ele tem pelos seus próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter.” (Adam Smith).



Quem como eu já não se pôs em algum momento da vida a refletir sobre o valor que as pessoas, em geral, dão aos objetivos da vida social? Seria maravilhoso se partisse da pureza d’alma de cada um - se é que todas as almas são puras - a força motriz que promoveria, pelo apreço ao ideal do bem comum, a renúncia ao egoísmo.

As pessoas de todas as ideologias, classes sociais ou mesmo religiões não só entenderiam, mas efetivamente se portariam com denodo e elevado espírito público, deixando em segundo plano os seus interesses pessoais. Algo como o que fazem as abelhas, as formigas, as vespas e mesmo os cupins que priorizam a vida comunitária em detrimento de objetivos individuais. Seria espetacular, mas, infelizmente, a vida nos tem mostrado tratar-se isso da mais autêntica utopia.

Foi o que o um professor do ensino médio constatou e contou-me quando de uma agradável e recente palestra pessoal em que nos pusemos a filosofar sobre a impossibilidade de se tornar concreto o sonho do comunismo que tanta gente ingênua ainda aspira. Deu-me ele, com o conhecimento de quem procura com afinco educar cerca de 40 jovens de uma mesma classe de aula, um exemplo que reputo digno de ser compartilhado com os meus amigos.  Deliciei-me com a sua narrativa. Prestem bem a atenção!

“Incomodava-me - disse-me ele - as frequentes ausências de meus alunos. Um dia não compareciam cinco deles. Em outros, a classe não chegava sequer a 20 alunos. A continuidade do ensino que deve ser feita como o subir de uma escada, isto é, degrau a degrau, ficava muito comprometida. Além disso, - acrescentou, - nem metade dos alunos cumpriam as tarefas de casa. Perdia eu um tempo enorme para dar uma ajeitada no conhecimento daqueles jovens. Mesmo assim, era frustrante chegar ao final do ano letivo tendo passado a matéria de forma tão superficial. Como professor me sentia derrotado”.

Então lhe ocorreu uma ideia que, solenemente, explicou a seus alunos:

“Todos os dias farei uma pergunta a cada um de vocês sobre a matéria da aula anterior. Quem acertar levará ¼ de ponto para somar à prova do mês. Tenho dez pontos para distribuir diariamente. Se alguém não comparecer, ou comparecendo não conseguir responder satisfatoriamente a pergunta, o seu 1/4 de ponto será distribuindo proporcionalmente aos alunos que acertarem as suas respectivas perguntas”.

Dito e feito...

No primeiro mês por não terem entendido completamente a ideia do professor alguns alunos malandros consideraram que o 0,25 ponto percentual  seria pouco e, portanto continuaram ou faltando ou não estudando a matéria. Só vieram a entender o mal que lhes fazia a opção pela malandragem quando viram que os colegas assíduos e estudiosos chegaram com facilidade à nota máxima. Foram, como consequência, ficando cada vez mais para trás até que se deram conta de que para serem aprovados seria necessário se esforçar vencendo a preguiça de ir às aulas e estudando para fazer jus às notas que lhes passariam de ano.

Num determinado dia choveu muito e o professor imaginou que a frequência seria baixa e que, portanto aqueles poucos que sempre demonstraram maior empenho e interesse em se destacarem iriam abocanhar mais meios pontos dos faltosos. Para sua surpresa, a sala estava completa com todos os alunos. Propositadamente, perguntou a alguns daqueles que no inicio do ano eram os mais relapsos sobre a razão de estarem ali em que pesasse tanta chuva lá fora. A resposta que obteve: “Imaginei que outros não viriam e que valeria a pena habilitar-me aos pontos deles”. Todos pensando assim, a classe foi em frente e o ano letivo foi altamente proveitoso com alunos e professores felizes com o resultado que obtiveram.

Se há uma lição a se tirar desse episódio é a de que o ser humano precisa ser incitado, incentivado, despertado para que transforme o egoísmo que lhe é da essência em ações úteis para a sociedade como um todo. Prover de forma paternalista as necessidades dos outros sem exigir-lhes esforço para que melhorem, prejudica mais do que ajuda. O Comunismo fracassou e continuará a fracassar enquanto a sociedade através dos governos e mesmo do senso comum não entenderem que o importante é ensinar a pescar e não fornecer graciosamente e de forma continua o peixe.

Edson Pinto                                                                  

Agosto’ 2015

3 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Retorno ao meu blog com o texto QUESTÃO DE VALOR no qual volto a refletir, com um exemplo concreto, sobre o ainda não completamente superado conflito de ideias concernentes à vida social.

Se observarem a seção de comentários do meu texto anterior, o de nº 300, “Dobrando a Meta” há um apelo de meu amigo Ataíde Lopes datado de 12 de agosto para – mesmo que em frequência menor – eu não deixasse de publicar os meus textos que continuo regularmente produzindo.

Infelizmente, 10 dias após, em 22 de agosto último, Ataíde mudou de plano e deixou seus amigos - que são muitos - já cheios de saudades. Este texto é, portanto, em atenção ao amigo eterno...

Boa semana a todos!

Edson Pinto

ET: Mais adiante prometo escrever algo sobre o já saudoso amigo Ataíde Lopes.

Giba Canto disse...


Caro Amigo Edson,

Acho que você sabe que leciono há muitos anos, décadas mesmo, e comigo se deu exatamente o ocorrido com o teu amigo professor...

Eu preparava o material com dedicação, ministrava as aulas com empenho, procurando envolver os alunos, tentava lhes ensinar coisas, mas num processo unilateral, do professor para o aluno, julgando que ao lhes pedir pouco envolvimento ele ficariam satisfeitos... Mas o número de faltas era elevado, o aproveitamento pífio, e o mendigar notas frequente...

Resolvi alterar o método nos anos seguintes: a cada aula eu lhes passo dois pequenos artigos para que eles leiam e entreguem um pequeno comentário de até dez linhas (não é para fazer um resumo, mas para identificar aspectos relevantes ao nosso curso ou à vida profissional deles)...

Durante a aula seguinte, em que eles entregam os pequenos comentários, eu conduzo um debate sobre os tópicos mais relevantes e eles têm que se empenhar nos debates, pois isso também vale nota de participação...

Instiguei-os a trabalhar um pouco: leituras semanais, reflexões sobre os textos, organizar e escrever suas ideias sobre o assunto, verbalizar essas ideias em classe, acompanhar os colegas nas suas intervenções e eventualmente comentar ou contestar aquilo que foi dito, tirar dúvidas com os colegas ou com o professor-moderador...

A somatória de todos os trabalhos entregues junto com a nota de participação (presença nas aulas e envolvimento nos debates) constitui parte importante da nota final necessária para aprovação. A prova final, requisito institucional, completa a avaliação de aprovação.

O aproveitamento do pessoal cresceu e eles externam satisfação com o novo processo de ensino e avaliação...

Todos saem ganhando com o envolvimento e responsabilidades claras mútuas.

Abs, Giba Canto.

Blog do Edson Pinto disse...

Caro Giba:

É isso mesmo. Parabéns pela metodologia que você adota! Ela confirma a minha tese de que os alunos, assim como as pessoas em geral, precisam ser motivadas, instigadas, incentivadas e recompensadas para fazer algo útil em prol de si mesmas e da sociedade.

Sempre que vejo o agigantar dessa tendência esquerdista de transferir a um número crescente de cidadãos o fruto do esforço de outros, ressalvado, é claro, a solidariedade com aqueles que justificadamente têm dificuldades, me lembro do grande texto do americano Elbert Hubbard conhecido mundialmente, "Mensagem a Garcia". Ele toca com maestria nesse ponto sobre o qual agora discorremos.

Para quem tem interesse em ler ou reler o texto "Mensagem a Garcia", segue acesse este link: http://www.rhportal.com.br/artigos/rh.php?rh=Mensagem-A-Garcia&idc_cad=mkjxvx595

Abraço

Edson