“Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição”
(Chiquinha da Silva, maxixe
Corta-Jaca de 1895)
Há certas expressões populares que nunca deveriam cair em desuso. “Corta-jaca” é uma delas. Claro que a vida
longeva já tinha registrado em minha mente quem foi Chiquinha da Silva, quem
foi Machado Careca, seu parceiro de composição, e o que fizeram para que o
brasileiríssimo ritmo maxixe, do final do século XIX, desempenhasse importante
papel na buliçosa cultura popular do país recém republicanizado.
Não era apenas mais um ritmo fruto da nossa abundante veia
musical que o populacho aprendeu a gostar. Gostava também do cateretê, do
batuque e do samba, este, como sabido, expressão máxima da nossa alma lírica. O
“corta-jaca” tinha uma conotação desdenhosa que o povo prezava em sua ironia
político/coletiva. Corta-jaca também significava o que hoje consagramos como
“puxa-saco”.
Sabe-se pela apresentação da encantadora cantora mineira,
Lysia Condé, que a multiartista Nair de Tefé, também primeira dama da República,
em 1914, em festa de despedida de mandato de seu marido Hermes da Fonseca
convidou Catulo da Paixão Cearense para executar o maxixe Corta-jaca na
presença de autoridades políticas de nomeada nacional.
Óbvio que deu rebu de elevadíssima repercussão... A imprensa
reverberou o discurso do Senador Rui Barbosa, desafeto de Hermes da Fonseca, em
que desqualificou, de forma atroz, o evento. Mas fê-lo como critica ao despudor
que via no ritmo maxixe: “mais baixa, mais chula e mais grosseira de todas as
danças selvagens...”
Mas será que o motivo do protesto foi realmente esse, o
inocente ritmo brasileiro que é acompanhado de criativos passos de pés juntos
imitando o facão com o qual se corta a fruta da jaqueira? Acho que não... Lendo-se
a primeira estrofe da letra que vai na introdução deste texto encontra-se a
resposta. A questão é política: com tanta miséria só os folgazões, os gaiatos,
quem sabem cortar jaca, isto é, sabem puxar-sacos, é que se dão bem. Não era
evidentemente o caso do grande Rui, mas sim o contexto político.
Como se sabe, nada mudou de lá para cá neste comportamento social, chamemos corta-jacas ou puxa-sacos as atitudes continuam sendo as mesmas. E não se corta-jaca por convicção moral, despretensiosamente... Corta-se jacas, ou puxa-se sacos para se sair bem. Na política, infelizmente é o que mais se vê...
Edson Pinto
Agosto’2020
Para se ver a apresentação de Lysia Condé, clique neste link: https://www.youtube.com/watch?v=4wfrA54BMZg
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