20 de ago. de 2020

320) CORTADORES DE JACAS

 

“Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição”

(Chiquinha da Silva, maxixe

Corta-Jaca de 1895)


Há certas expressões populares que nunca deveriam cair em desuso.  “Corta-jaca” é uma delas. Claro que a vida longeva já tinha registrado em minha mente quem foi Chiquinha da Silva, quem foi Machado Careca, seu parceiro de composição, e o que fizeram para que o brasileiríssimo ritmo maxixe, do final do século XIX, desempenhasse importante papel na buliçosa cultura popular do país recém republicanizado.

Não era apenas mais um ritmo fruto da nossa abundante veia musical que o populacho aprendeu a gostar. Gostava também do cateretê, do batuque e do samba, este, como sabido, expressão máxima da nossa alma lírica. O “corta-jaca” tinha uma conotação desdenhosa que o povo prezava em sua ironia político/coletiva. Corta-jaca também significava o que hoje consagramos como “puxa-saco”.

Sabe-se pela apresentação da encantadora cantora mineira, Lysia Condé, que a multiartista Nair de Tefé, também primeira dama da República, em 1914, em festa de despedida de mandato de seu marido Hermes da Fonseca convidou Catulo da Paixão Cearense para executar o maxixe Corta-jaca na presença de autoridades políticas de nomeada nacional.

Óbvio que deu rebu de elevadíssima repercussão... A imprensa reverberou o discurso do Senador Rui Barbosa, desafeto de Hermes da Fonseca, em que desqualificou, de forma atroz, o evento. Mas fê-lo como critica ao despudor que via no ritmo maxixe: “mais baixa, mais chula e mais grosseira de todas as danças selvagens...”

Mas será que o motivo do protesto foi realmente esse, o inocente ritmo brasileiro que é acompanhado de criativos passos de pés juntos imitando o facão com o qual se corta a fruta da jaqueira? Acho que não... Lendo-se a primeira estrofe da letra que vai na introdução deste texto encontra-se a resposta. A questão é política: com tanta miséria só os folgazões, os gaiatos, quem sabem cortar jaca, isto é, sabem puxar-sacos, é que se dão bem. Não era evidentemente o caso do grande Rui, mas sim o contexto político.

Como se sabe, nada mudou de lá para cá neste comportamento social, chamemos corta-jacas ou puxa-sacos as atitudes continuam sendo as mesmas. E não se corta-jaca por convicção moral, despretensiosamente... Corta-se jacas, ou puxa-se sacos para se sair bem. Na política, infelizmente é o que mais se vê...

Edson Pinto

Agosto’2020

Para se ver a apresentação de Lysia Condé, clique neste link: https://www.youtube.com/watch?v=4wfrA54BMZg


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