15 de ago. de 2020

319) O MODERNO É O QUE SE APRESENTA NO MOMENTO...

 

De uns tempos a esta data - mas só em frequência eventual, felizmente - sou tentado a autoquestionamentos quando leio clássicos da literatura. Fico me perguntando o que poderia ser diferente no comportamento dos personagens ou mesmo no desenrolar da história se tivessem, na época, os recursos tecnológicos de que dispomos hoje:

Tivesse a mocinha apaixonada um smartphone à sua disposição, ao invés de uma carta amorosa levada sorrateiramente por uma criada de confiança, ao amado, poderia ser substituída por uma mensagem de WhatsApp e mesmo assim mantida a carga de emoção da história original?

Se o herói, no lugar de empreender aquela emocionante jornada por mares bravios e ter enfrentado sendas perigosas durante meses, pudesse pegar um moderno jato e aterrizar em poucas horas no seu destino, teria também o mesmo efeito narrativo que a história antiga nos oferece?

Se cenas de guerras com enormes exércitos se defrontando em campos de batalhas, arremessando lanças, flechas, combatentes a cavalo empunhando espadas reluzentes, fossem substituídas por batalhas de caças supersônicos, drones teleguiados e misseis transcontinentais, seriam mesmo assim tão ou mais emocionantes?

Grande bobagem...

Nunca encontro vestígios de que os personagens ou as narrativas demonstrassem desejo de ter aparatos mais modernos. E por quê? Simplesmente porque o ser humano está tão envolvido com a sua realidade objetiva que, em geral, não especula emocionalmente com um futuro improvável e/ou inimaginável.

Toda a narrativa se conforma com o moderno daquele momento. A emoção é inerente ao verossímil e este à realidade objetiva. A mocinha está condicionada ao recurso da carta escrita, da aventura de entrega, da espera pela resposta. A modernidade para ela está nisso e só nisso.

A emoção reside, portanto, nos fatos tais quais eles verdadeiramente são. A mesma história quando trazida às condições atuais pode não ter o mesmo sentido. O importante é entender que o leitor precisa adentrar-se ao espírito da história, assimilar as reais condições da narrativa e se comportar como se lá estivesse.

É assim que se lê com prazer...

Edson Pinto

Agosto’ 2020

8 comentários:

Anônimo disse...

Caro Edson, grato pela saborosa reflexão. Concordo contigo que o leitor deve se colocar no "tempo histórico e suas condicionantes", e como isso deliciar-se com as aventuras dos personagens do texto... Abs, Giba Canto.

Blog do Edson Pinto disse...

Obrigado, amigo Gilberto!
Quem mergulha com prazer na leitura detém a chave que nos permite abrir portas de outros mundos, e lá adentrar...

Unknown disse...

O Amigo Edson sabe o prazer que usufruo ao ler tuas reflexões más, apesar de não estar em linha com "Moderno e o Momento", deixe-me confessar o quanto foi agradável viajar no tempo, com lembranças maravilhosas de cartinhas recebidas e enviadas, minha primeira viagem de avião no final dos anos 50 e, até, como eram os sistemas de comunicação nas empresas. Grato, Amigo.

Unknown disse...

Francisco Araújo

Manuel Jorge Monteiro de Lima: disse...

Quando o assunto é Rui, Hermes ou Edson, há que ter coragem para comentar. Mesmo assim, lembro de uns versos de Trilussa , que versa sobre o entendimento e fama:- A Lesma;
Exausta a pobre Lesma da vanglória,
Ao atingir o cume do obelisco,
Disse,olhando da própria baba o risco:
Meu rastro ficará também na História.
Então dito o dito pelo não dito, já que assim o é, todo o comentário é válido e valoroso

Blog do Edson Pinto disse...

Obrigado amigo Manu!
Ter a paciência dos amigos para lerem os meus despretensiosos textos, já me enche gratidão. Escrevo pelo amor a ú"flor do Lácio"...

Unknown disse...

Muito interessante sua reflexão. Lembrei-me do meu pai que se comunicava com a família, em Portugal, através de cartas.
E concordo que o leitor tem que fazer uso da sua imaginação e "respirar" a historia. Obrigada

Unknown disse...

sempre desejei ter um amigo letrado, mesmo porque eu não tinha essas qualidades,
PARABENS, EDSON aprecio sua forma de conduzir historia de um passado .
Adhemar