De uns tempos a esta data - mas
só em frequência eventual, felizmente - sou tentado a autoquestionamentos quando
leio clássicos da literatura. Fico me perguntando o que poderia ser diferente
no comportamento dos personagens ou mesmo no desenrolar da história se tivessem,
na época, os recursos tecnológicos de que dispomos hoje:
Tivesse a mocinha apaixonada um
smartphone à sua disposição, ao invés de uma carta amorosa levada sorrateiramente
por uma criada de confiança, ao amado, poderia ser substituída por uma mensagem
de WhatsApp e mesmo assim mantida a carga de emoção da história original?
Se o herói, no lugar de
empreender aquela emocionante jornada por mares bravios e ter enfrentado sendas
perigosas durante meses, pudesse pegar um moderno jato e aterrizar em poucas
horas no seu destino, teria também o mesmo efeito narrativo que a história antiga
nos oferece?
Se cenas de guerras com enormes
exércitos se defrontando em campos de batalhas, arremessando lanças, flechas, combatentes
a cavalo empunhando espadas reluzentes, fossem substituídas por batalhas de
caças supersônicos, drones teleguiados e misseis transcontinentais, seriam
mesmo assim tão ou mais emocionantes?
Grande bobagem...
Nunca encontro vestígios de que
os personagens ou as narrativas demonstrassem desejo de ter aparatos mais
modernos. E por quê? Simplesmente porque o ser humano está tão envolvido com a
sua realidade objetiva que, em geral, não especula emocionalmente com um futuro
improvável e/ou inimaginável.
Toda a narrativa se conforma com
o moderno daquele momento. A emoção é inerente ao verossímil e este à realidade
objetiva. A mocinha está condicionada ao recurso da carta escrita, da aventura
de entrega, da espera pela resposta. A modernidade para ela está nisso e só
nisso.
A emoção reside, portanto, nos
fatos tais quais eles verdadeiramente são. A mesma história quando trazida às
condições atuais pode não ter o mesmo sentido. O importante é entender que o
leitor precisa adentrar-se ao espírito da história, assimilar as reais
condições da narrativa e se comportar como se lá estivesse.
É assim que se lê com prazer...
Edson Pinto
Agosto’ 2020
8 comentários:
Caro Edson, grato pela saborosa reflexão. Concordo contigo que o leitor deve se colocar no "tempo histórico e suas condicionantes", e como isso deliciar-se com as aventuras dos personagens do texto... Abs, Giba Canto.
Obrigado, amigo Gilberto!
Quem mergulha com prazer na leitura detém a chave que nos permite abrir portas de outros mundos, e lá adentrar...
O Amigo Edson sabe o prazer que usufruo ao ler tuas reflexões más, apesar de não estar em linha com "Moderno e o Momento", deixe-me confessar o quanto foi agradável viajar no tempo, com lembranças maravilhosas de cartinhas recebidas e enviadas, minha primeira viagem de avião no final dos anos 50 e, até, como eram os sistemas de comunicação nas empresas. Grato, Amigo.
Francisco Araújo
Quando o assunto é Rui, Hermes ou Edson, há que ter coragem para comentar. Mesmo assim, lembro de uns versos de Trilussa , que versa sobre o entendimento e fama:- A Lesma;
Exausta a pobre Lesma da vanglória,
Ao atingir o cume do obelisco,
Disse,olhando da própria baba o risco:
Meu rastro ficará também na História.
Então dito o dito pelo não dito, já que assim o é, todo o comentário é válido e valoroso
Obrigado amigo Manu!
Ter a paciência dos amigos para lerem os meus despretensiosos textos, já me enche gratidão. Escrevo pelo amor a ú"flor do Lácio"...
Muito interessante sua reflexão. Lembrei-me do meu pai que se comunicava com a família, em Portugal, através de cartas.
E concordo que o leitor tem que fazer uso da sua imaginação e "respirar" a historia. Obrigada
sempre desejei ter um amigo letrado, mesmo porque eu não tinha essas qualidades,
PARABENS, EDSON aprecio sua forma de conduzir historia de um passado .
Adhemar
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