15 de out. de 2010

140) EMOÇÃO E STREET VIEW




Emoção é vocábulo que todos nós conhecemos muito bem. Pode ser definida como uma forte reação de nosso espírito às situações inesperadas. Tem o poder de suscitar-nos a raiva, a tristeza ou mesmo a alegria. Poetas ao longo dos tempos fazem da emoção a matéria prima de suas obras. Pode vir em graus variados, de mornas a intensas, mas são sempre emoções. Fernando Pessoa, do alto de sua maestria literária, considerava uma grande emoção como sendo essencialmente egoísta, pois, como disse, “absorve em si mesma todo o sangue do espírito”. É, portanto, nesse devaneio, nessa quimera, nessa fantasia que movemos a vida à procura do tudo ou à procura do nada. É com emoções intensas, mesmo que demasiadamente egoístas, que movemos as nossas vidas e até mesmo o mundo.

Por outro lado, “street view”, esse estrangeirismo, como muitos outros desse mundo moderno, chega de súbito em nossas vidas e, pelas vias da modernidade, traz em si o enorme potencial de provocar emoções. Não diretamente como as emoções vindas das penas dos poetas, mas por veredas transversas quando encontram lá no recôndito de nossas almas os registros do passado. Por isso, misturo nesta crônica esses dois vocábulos de feições aparentemente tão díspares, mas como muita coisa em comum.

Street view ou ”visão da rua” pode ser mais do que uma coletânea assustadoramente grande de fotografias urbanas, possibilitada pelo fantástico avanço das ciências da informática, das telecomunicações e da capacidade sem limites de armazenamento de dados, especialmente de imagens e que nos é disponibilizado, de graça, pelo Google nos computadores com acesso à Internet. À parte o justificável e ainda não suficientemente bem esclarecido direito de proteção da nossa privacidade (lado obscuro desta questão), ou as fantásticas aplicações para fins de negócios que o recurso nos propicia, como para o turismo, empreendimentos imobiliários, divulgação de empresas e outros fins, vejo nessa maravilha emoções egoístas intensas tal qual as que nos foram ditas por Fernando Pessoa.

Ao alcance de meus dedos no teclado do computador descobri recentemente que poderia reviver aquilo que só vasculhando as profundezas de meus registros de vida e mesmo assim somente de forma abstrata poderia conseguir. Tudo em nossas vidas ocorreu e continua ocorrendo em algum lugar físico. Foi assim no passado, é agora no presente e será sempre da mesma forma, também, no futuro. O resgate desses lugares em nossas mentes é que tem o poder de nos levar a recordar bons e maus momentos da história de cada um. As fotos que o Google vem fazendo a cada 10 metros, simultaneamente por 9 câmaras em ângulos diferentes e que possibilitam visão em 360 graus de qualidade extraordinária, tendem a tornar mais fácil e prazeroso esse exercício de busca às emoções.

Desde que descobri esse recurso tenho feito assim: Lembro de um lugar onde morei, trabalhei ou estive por alguma razão e aí vou ao Google para pesquisar. Busco o local exato, ou aproximado, na pesquisa de endereço e chego à visão do satélite fazendo a aproximação máxima possível. Depois, arrasto o ícone do street view (bonequinho amarelo no lado superior esquerdo do mapa) e o solto no endereço que escolhi. A partir daí é só ir recordando e as emoções vão brotando: “Nesta esquina, exatamente em frente a essa casa encontrava com freqüência a minha turma de amigos na adolescência”, ou “Na escada desta casa que ainda encontra-se inalterada conheci minha mulher” ou ainda, “aqui, nesta praça levava meus filhos para brincar” e assim por diante. São emoções atrás de emoções...

O debate sobre a quebra do direito à privacidade que o tema suscita há de se acirrar à medida que o mau uso do recurso comece a acontecer com mais assiduidade. Há países que não permitem o street view, como há pessoas que não concordam que sua imagem, colhida sem previa autorização, seja divulgada publicamente. O Google até usa um recurso de embaçar ligeiramente a face das pessoas fotografadas. O mesmo faz com as placas dos veículos ou outras imagens que possam ser “a priori” consideradas comprometedoras. Será isso suficiente para acalmar o ânimo dos que se sentem incomodados? George Orwell em “1984” já havia previsto um mundo sem privacidade ameaçado pelo controle do Big Brother. O street view, na essência, não só contribui para que isso seja verdade, mas, curiosamente, supera, no bom sentido, a sua crítica à medida que esse big brother informático pode até mesmo nos presentear com egoísticas emoções.

Fica, assim e aqui, a minha sugestão para que tentem explorar esse magnífico recurso para esse fim emotivamente egoísta e que certamente não foi o objetivo inicial de quem o criou e o disponibilizou para uso geral dos internautas. Ao fazermos isso, fica-nos a feliz constatação de que a tecnologia embora pareça afastar-nos das coisas simples da vida e de violar aspectos ligados às privacidades individuais, pode, sim, como é neste caso do street view, aproximar-nos cada vez mais da essência de nossas almas propiciando-nos momentos de pura emoção.


Edson Pinto
Outubro’2010

2 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Quem, lá pelo final dos anos 60 (faz 40 anos), podia imaginar aonde chegaria o avanço da informática e de campos científicos correlatos?

Recentemente, fui conferir partes especificas de um livro que havia lido na época e que me fascinara de forma extraordinária, “O Ano 2000”, de Herman Kahn e Anthony Wiener (Editora Melhoramentos). O livro traça, como dito pelos seus editores, “uma incursão no perturbador futuro próximo, realizada com cientifica frieza”. Pois bem, em todos os cenários do capítulo dedicado à “Eletrônica, computadores, automação e processamento de dados”, ali primorosamente tratados, não encontrei nada que se assemelhasse ao que de fato vem ocorrendo em algumas áreas da informática e seus desdobramentos. Isso significa que a evolução cientifica do mundo continua a nos surpreender cada vez mais de forma muitíssimo intensa. Nem mesmo uma inteligência privilegiada como era a de Herman Kahn conseguiu prever certos avanços científicos como os que temos agora.

Nesta semana, minha crônica é exatamente sobre um dos avanços mais notáveis que nos acaba de ser disponibilizado, de graça, pela fantástica rede da Internet por um de seus mais ativos players, o site da Google. Escrevo sobre o recurso chamado “street view”, mas olho para ele com a minha lente da emoção.

Um bom final de semana a todos!

Edson Pinto

Blog do Edson Pinto disse...

De: Araújo
Para: Edson Pinto

Caríssimo Amigo Edson Pinto,

Eu já tenho visto de algumas cidades da Europa, más não sabia que o Google já havia concluido o sistema na nossa S. Paulo. Coloque emoção nisso: "vi a casa (que está igualzinha...) no qual meus Filhos nasceram e, também, uma que eu mesmo construi na Mooca/Vila Prudente, onde até duas árvores que eu plantei, no final dos anos 1960, ainda estão lá..." Foi tanta emoção que até algumas lágrimas rolaram. Você precisa tomar cuidado com essas tuas lindas crônicas pois, Véinhos como eu, podem não resistir e "bater com as 10..."

Valeu (+ 1 x) meu Amigo / Muito obrigadão e um grande abraço,

Araujo