8 de out. de 2010

139) ALMOÇO EM FAMÍLIA

Certos hábitos e comportamentos se nos impõem de forma natural. Não requerem leis, regulamentos ou quaisquer outras formas coercitivas para que as entendamos como importantes e até mesmo como obrigatórias. Algumas parecem eternas, porque nem o tempo é capaz de eliminá-las. São verdadeiras e tradicionais instituições que se mantêm pelo sentido gregário que embutem. Pura mágica! Uma delas é o almoço em família.

Os hábitos modernos, especialmente daqueles que vivem nas grandes cidades, até podem levá-los a negligenciar esporadicamente essa instituição social e familiar tão cheia de significado. Não é mais possível trabalhar até certa hora, voltar à casa para o almoço e depois retornar para a segunda e final etapa do labor diário. Transferido o raciocínio para o jantar que ocorre ao final do dia, nem sempre, e pelas mesmas razões, tal tem sido possível, especialmente nesses tempos de hoje que passam tão atribulados e rápidos. É triste vermos as famílias tão dispersas, sem que consigam criar alguns momentos de confraternização intima, quando, despidas do estresse e das rusgas que nos impõe a roda da vida, possam reforçar os laços da união familiar.

O almoço em família, que, compreensivamente, já não pode mais ser feito ao longo da semana, pelo menos deveria ser consagrado para os domingos. Se não em todos, ao menos uma vez por mês. Ajustando essa instituição para o modo de vida atual e apenas para que fique mais fácil o entendimento de quantos só vivem do trabalho e de números, sugiro imaginarem o almoço familiar dominical como uma reunião de acionistas, uma assembléia geral do clube, um “happy hour” com os colegas do escritório quando ideias, informações, afetos e deliciosas banalidades são trocados. Muita gente não consegue se dar conta de quão fundamental é essa instituição. Comparo-a a argamassa que une e que dá consistência aos blocos formadores do edifício de nossa existência.

Meu avô que nos deixou quando já se aproximava dos 100 anos de vida, bem vividos, valorizou como ninguém a instituição do almoço em família. Fez dele - o almoço sagrado de cada domingo - e nos ensinou pelo exemplo, como sendo um dos meios mais importantes para nos manter unidos e mutuamente respeitosos. Tão tradicional era essa domingueira que ninguém precisava dizer antecipadamente que lá estaria. A casa funcionava em permanente estado de alegria. Íamos chegando, abraçando-nos, perguntando uns pelos outros, rindo alto, agitando as crianças, falando muito, acariciando-nos mutuamente até que fossemos, todos, se transferindo para a sala de almoço. Momento maior e consagrador de nossas vidas.

Sentado à cabeceira da mesa, meu avô comandava tudo com ordens precisas, gestos objetivos e olhar apaziguador. Nem era preciso dizer que o refrigerante devesse ir para as crianças e que os adultos tivessem acesso ao vinho ou à cerveja - esta só liberada aos domingos. As histórias familiares eram contadas e recontadas. A cada vez, mais delas nós nos riamos e com renovada disposição. Era uma delícia ouvir os tios dizerem, por exemplo, como meu pai conheceu minha mãe; como uma das tias se deu mal numa estripulia familiar e como o outro tio era namorador. Alguns iam às lágrimas quando vinham à tona comentários sobre a perda de um ente familiar ou amigos queridos; quando se reportava a uma séria dificuldade financeira, ocorrida em tempos bicudos e que teria imposto, no passado, pesado revés à família. E o período da guerra? De como meu pai, jovem, destemido, fora combater na Itália deixando saudades e temores em todos...

Entre lágrimas sentidas, risos felizes, vozerio atroante, gargalhadas fogosas e crianças já cansadas de tanto agito, o ágape familiar ia se desfazendo aos poucos. ”Temos que ir - dizia uma tia - as crianças ainda precisam estudar para as provas de amanhã”. Outro dizia, em seguida: “Vamos agora, temos que visitar um amigo que se encontra adoentado” ou “Ainda queremos pegar um cineminha com as crianças”. A tarde ia chegando ao fim e meu avô, feliz pela mágica de ter unido a todos nós, despedia-se de cada um ao tempo em que dava garantias de que na semana seguinte a discussão de tal ou qual assunto iria ter prosseguimento.

Hoje, meu avô, assim como meu pai, já não coordenam nem participam mais desses nossos almoços familiares terrenos. A família se reproduziu em quantidades mais modestas de cabeças, porém mais adequada às condições do mundo moderno e competitivo em que nos encontramos; espalhou-se por longínquos rincões desse imenso país e se desdobrou em novos núcleos familiares independentes.

De minha parte, tento reproduzir em meu pequeno núcleo familiar, quando comparado com a multidão que freqüentava a casa de meu avô, o seu exemplo. Cristaliza-se cada vez mais em meus hábitos a instituição do almoço dominical. Minha esposa, os 3 filhos, noras e por enquanto a única neta, já me dão o prazer de ao menos esse encontro semanal. É quando, sob a benção desse dia dedicado ao descanso, o domingo, tento desenvolver por meio dessa sólida e simples instituição, o almoço em família, como sendo a melhor maneira de nos transformarmos em um grupo coeso que além de afinidades familiares desenvolva em todos um verdadeiro espírito de união e fraternidade.

Meu avô deve estar contente com isso..

Edson Pinto
Outubro’2010

4 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Ufa! Nada mais mineiramente sábio do que a máxima “eleição e mineração, só depois da apuração”:

Alguns resultados importantes que emergiram das urnas neste último domingo confirmam plenamente isso.

Eu já havia escrito em 27 de agosto “Pesquisassione”, meu texto de nº 133, no qual, criticamente, colocava em dúvida a forma como as pesquisas eleitorais são feitas no Brasil. Os resultados estão aí. Volto nesse assunto, mais tarde, quando o frenesi do 2º turno se fizer mais agudo. Prometo!

Nesta semana retorno às amenidades: ALMOÇO EM FAMÍLIA é o tema de minha crônica que aborda essa importante e sólida instituição familiar. Vejam e me respondam se concordam comigo!

Que tenhamos um bom fim de semana!

Edson Pinto

Blog do Edson Pinto disse...

De: Nilce
Para: Edson

Boa noite Edson.....

Voce me fez sentir saudades da casa dos meus pais, onde esses almoços em familia aconteciam todos os domingos tambem.
Depois que eles se foram a minha casa passou a ser o local desses encontros, mas a vida moderna nos afasta dos que amamos
e hoje cada um dos meus filhos(2) moram em cidades diferentes da minha e meus irmãos formaram nucleos proprios.
Mas concordo com voce, que eram maravilhosos e unia a familia com muito amor e companheirismo.
Sinto saudades dos almoços em familia.

Abraços e fique com Deus.

Nilce

Blog do Edson Pinto disse...

De: Geraldo Ribas
Para: Edson

Ola Edson , bom dia!!!!

Nem sei se cabe algum comentario diante de tudo que escreveu, sao palavras lindas em particular me toca profundamente pois estive afastado , nao so dos almoços , mas da familia como um todo por muitos anos em detrimento do trabalho, do homem e da maquina...

Um abraço fraterno!

Geraldo

Blog do Edson Pinto disse...

De: F. Araujo
Para: Edson Pinto

Diversas ocasiões tenho mandado pequenos comentários - geralmente com quase total concordância contigo - sobre as, sempre bem-vindas, crônicas do Amigo Edson Pinto. Independente de, também, achar que reunião em Família e com Amigos são muito legais mas, com todo o respeito ao Senhor teu Avô e, claro, a Você, gostaria de saber se os "agregados Familiares" (genros e noras) também tivessem que cumprir, todos os domingos, o mesmo com seus Pais como se resolveria (???). É só uma curiosidade.

Grande abraço
F. Araujo


RESPOSTA
De: Edson Pinto
Para: F. Araújo

Olá meu caro Araújo:

Saudades, amigo!

É claro que cada família tem suas particularidades. O que observo, contudo, é que há a tendência de haver certa polarização em torno de um líder familiar. Por certo, nem todos os avós ou pais (muitos dependendo evidentemente de seus respectivas conjuges gostam e querem assumir esse papel de catalisadores da família. Os filhos tenderão, sempre, para a reunião onde haja maior receptividade.

No caso de meu avô, o velho Pedro Hypólito Pereira, nascido e criado em Ouro Preto, terra de cabras corajosos, ele exercia um fascínio impressionante sobre todos nós. Era homem de fibra, cheio de sabedoria, estudioso de múltiplos assuntos, verdadeiro líder familiar. Do outro lado da família, meus outros avós eram mais caseiros e não apreciavam muito esse modo de vida (questão de estilo). Surgiu, assim e quase que naturalmente a liderança do velho Pedro. Era extremamente ativo, lúcido, crítico e até mesmo um tanto mandão. Devo minha afinidade aos estudos a um episódio que nunca esqueci: Lá pelos meus 14 anos estava eu, em casa, dedilhando o meu violão quando ele entrou pela sala em uma de suas visitas. Depois de me cumprimentar com o carinho de sempre voltou-se para mim e disse: __ Dico (era assim que ele me chamava), não é melhor você abandonar esse violão e dedicar mais aos livros? Abandonei o violão, com o qual não tinha, de fato, nenhuma intimidade, e caprichei como nunca nos livros didáticos. Nunca perdi um ano escolar!

Penso que o importante não é nem tentar monopolizar em nossa casa a reunião de família. É sempre possível alternar domingos. Um sim, outro não. Juntar as famílias como às vezes também fazemos ou encontrar momentos em que nos reunamos até em um restaurante. Vez por outra, marcamos de nos encontrar em um restaurante para o almoço de domingo ou num sábado à noite para uma pizza. A instituição fica, assim, preservada. Cada encontro é sempre um momento especial para ser guardado em nossas mentes.

Um forte abraço!

Edson