4 de mar. de 2011

155) VARA DE MARMELO


As cerca de 100 bilhões de células nervosas que temos hoje como adultos são exatamente as mesmas que tínhamos ao nascer. Chegamos ao mundo com nossas massas encefálicas pesando em média 400 gramas e quando adultos elas já terão atingido 1,5 quilograma. Sendo as mesmas, por que então aumentam 1 quilo do seu peso original? A explicação que nos dá a Neurobiologia, ciência encarregada desse tema, é que adicionamos ligações entre as células nervosas através do processo denominado sinapses formando os neurônios. E essas conexões pesam, e muito.

O grande achado é que a Neurobiologia junto com a Psicologia concluíram que a formação das sinapses geradoras dos neurônios se dá através das chamadas “Janelas de Oportunidades”. Isto quer dizer que janelas metafóricas se abrem e se fecham principalmente durante os primeiros anos de vida para que certos processos de aprendizado ocorram de forma mais produtiva e concentrada. Abre-se, por exemplo, até os dois anos de vida a janela de oportunidades da visão. Conexões, ou seja, sinapses, em grande profusão são feitas neste período para ensinar e gravar da forma correta e mais completa como se enxerga. Passado esse período a janela se fecha e o aprendizado referente à visão torna-se escasso. A “janela de oportunidades” para a linguagem fechar-se ao redor dos 10 anos. E assim sucede também com outras.

Há uma janela de oportunidades sobre a qual pouco se fala, mas que é também importante e tem sua duração limitada na infância. Trata-se do aprendizado de comportamentos sociais como, por exemplo, a disciplina, a ordem e outros relevantes para a vida futura de ser humano ainda em formação.

É aqui que entra a razão do título deste meu ensaio. Vejamos o que ele tem a ver com a abordagem que acabo de fazer. Primeiro entendamos o marmeleiro: Ele não só nos dá um fruto muito saboroso do qual se serve a culinária brasileira para o preparo da deliciosa e tradicional marmelada, como ainda propiciava aos pais disciplinadores da minha geração e anteriores um instrumento corretivo de elevada eficiência. Crianças durante a abertura de suas janelas de oportunidade referente à disciplina aprendiam a temê-la, por razões óbvias. Uma vara de marmelo é bem flexível, mas rija o suficiente para gravar na memória dos infantes indóceis que aquela fubecada no bumbum não justificaria nenhuma outra transgressão da ordem e da disciplina. Versões amenas da vara de marmelo podiam ser uma palmada, um puxão de orelha ou mesmo um castigo pela privação temporária de determinada liberdade.

Nunca precisei experimentar uma dessas flexíveis e doloridas varas de marmelo, mas meu pai referia-se a ela com tamanha autoridade que me autodisciplinei. Coleguinhas outros, no entanto, tiveram que sentir-lhe o ardor para aprenderem a necessidade de condutas corretas. Discute-se hoje, mais do que antigamente, se a cultura da vara de marmelo funcionava mesmo ou se era apenas uma malvadeza de pais rigorosos. Hoje, infelizmente tudo se debandou, como sabemos, para o liberalismo absoluto. Com raras exceções, filhos são criados com benevolência assustadora. Aboliu-se de vez a vara de marmelo real e a metafórica. Tudo pode; tudo é permitido em nome de uma psicologia libertária, anarquista.

Quais têm sido as conseqüências ao se perder aquele momento precioso em que a janela de oportunidades para o aprendizado da disciplina e do bom comportamento social ainda estava aberta? Temos agora os adultos que não respeitam os seus semelhantes; não respeitam as autoridades, nem os professores e nem a obrigação de jogar o lixo no local adequado. Não respeitam ainda o direito da torcida do time adversário de comemorar sua vitória; Não respeitam o patrão, nem o sinal vermelho do trânsito, nem a proibição de beber e dirigir, nem o respeito ao patrimônio alheio. E por fim, não respeitam nem os próprios pais. Não foram preparados para receber um “Não”.

Cria-se hodiernamente, pelo amor à liberdade sem limites dos filhos, gerações inteiras de indisciplinados que nos dão adultos pirracentos, luxentos, arrogantes, amantes da desordem e preconceituosos. E o pior é que teremos de agüentar o peso deste encargo por um tempo ainda muito longo.

Paciência! Há de chegar o dia em que uma nova conscientização sobre o problema nos levará de volta à cultura da vara de marmelo. A janela de oportunidades já fechada para os adultos continuará, contudo, se abrindo para as novas gerações.

Felizmente o marmeleiro - já pesquisei - não se encontra entre as espécies da flora em extinção...

Edson Pinto
Março de 2011

4 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para:Amigos

Caros amigos:

Na semana passada em “Diálogo de Gerações” falei de certo conflito entre pais e filhos quanto à visão de negócios. Gostei do tema, e nesta semana emendo com algo mais ou menos relacionado. Falo da singela vara de marmelo e o que ela tem a ver com a disciplina e outras facetas da formação dos novos ocupantes do mundo.

Tenham, todos, um feliz final de semana e um carnaval com menos chuva!

Edson Pinto

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De: Francisco Araújo
Para: Edson Pinto

Muito legal este teu ensaio, Edson Pinto; fico torcendo para que Vc esteja certo na espectativa de que "ha de chegar o dia..."

Educar dá trabalho, não é mesmo Amigo e, infelizmente, a grande maioria dos pais não quer ter trabalho e, por isso, essa degringolada social e moral que vivenciamos hoje.

Um grande abração,

Araujo

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos:

Caros amigos (as):

Na semana passada ficamos estarrecidos com o episódio do menino de 11 anos que teve um braço dilacerado, e posteriormente amputado, devido ao ataque de um tigre do Jardim Zoológico de Cascavel, PR. Muito triste!

À parte a emoção e o pavor que tal desgraça pode nos causar, fica-nos, contudo e como subproduto, a oportunidade de uma reflexão objetiva sobre a educação que os pais modernos têm propiciado a seus filhos. A “Lei Menino Bernardo”, também chamada “Lei da Palmada”, promulgada neste ano, embora recheada de boas e justificadas intenções, pode ser entendida como um exagero de interferência do Estado na sagrada educação que sempre valorizamos e atribuímos ao âmbito familiar, célula mater da sociedade. Sem dúvidas, uma boa discussão...

Agitei meu teclado para registrar o que me passava na cabeça, mas à medida que refletia ficava com a impressão que eu já havia anteriormente escrito sobre o tema. Parei e pesquisei no arquivo de meu blog e lá encontrei o este ensaio intitulado VARA DE MARMELO que publiquei originalmente em 4/3/2011, portanto há mais de três anos.

Como ele expressa uma opinião que continua atual, e mais do que isso, bem pertinente a este episódio do menino peralta que já devia ter sido educado sobre os perigos da vida e a importância da disciplina, resolvi sugerir a sua releitura.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto
08/08/2014

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De: Joel
Para: Edson Pinto

Olá Édson, boa noite.

Excelente a sua publicação.
Gostaria de acrescentar um versículo do livro de Provérbios (sempre atual), que diz:
O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga. (Provérbios 13:24)
Isto nada tem a ver com a violência no lar e sim com amor ao seu filho. Quem ama o filho jamais age com violência.

Abraços e boa semana.
eng Joel FR