25 de mar. de 2011

158) ZÉ MOURA É A SOLUÇÃO


Há certas passagens na vida, por banais que a principio nos parecem ser, que nos ensinam muito mais do que extensas lições transmitidas por manuais de rica pedagogia. A arte é a capacidade que temos de delas depreender a riqueza de sua essência. É a prova inconteste de que há mais sabedoria no ato de aprender do que no de ensinar.

Meu primeiro emprego formal foi em meados dos anos 60, ainda menor de idade, na filial da Philips em Belo Horizonte. Ali convivi com o que havia, na época, de mais moderno em termos de escritório. Havia uma máquina de escrever elétrica, o xodó e orgulho da empresa. Com leves toques no teclado as letrinhas surgiam como que por encanto daquela esfera mágica da IBM. Havia calculadoras Burroughs e Olivetti. As Notas Fiscais eram tão avançadas que para emiti-las, à mão, dispensava-se o uso do papel carbono, pois as folhas eram do tipo "autocopy", uma maravilha da tecnologia a serviço da burocracia. Quando instalamos uma máquina telex Siemens aí é que meus colegas do curso de Contabilidade morriam de inveja. Era a Philips na vanguarda.

Mas o estilo de gestão da empresa era o seu ponto cultural mais marcante. Tudo era muito bem controlado, conferido, re-conferido, aprovado pelo chefe, depois pelo supervisor e finalmente pelo gerente da filial. José Moura, ou simplesmente Zé Moura, foi a figura que muito bem simbolizava o modo Philips de gerir seu negócio e que certamente fora o grande responsável pelo crescimento extraordinário e sólido da empresa naqueles anos de ouro no mercado brasileiro.

Como as comunicações eram rudimentares e também pelo estilo de apoio direto aos revendedores dos produtos Philips, os vendedores partiam em jeeps Willys para longas viagens ao interior do Estado quando visitavam os clientes e emitiam os pedidos de vendas. Ao regressar, tomavam-se todas as providências para colocação dos pedidos, atualizavam as estatísticas e solucionavam as pendências. Mas, tinha uma tarefa que deixava a todos bastante apreensivos: a preparação do relatório de viagem para acertos das contas no Caixa da empresa, porque lá, do outro lado do guichê, estava o temível Zé Moura, baixinho, cara de bravo, empombado...

O vendedor fazia o relatório; o assistente o conferia em detalhes; o supervisor fazia lá também a sua aprovação e o mesmo acontecia com o gerente da filial, este, a mais alta instância de aprovações no âmbito da filial. Agora era só ir até ao Zé Moura entregar o relatório com os comprovantes de despesas e fazer a devolução do adiantamento feito a maior ou receber eventuais reembolso. Resolvido? Não! Zé Moura fazia as suas próprias análises e questionamentos:

__ Por que você tomou café da manhã em Teófilo Otoni e foi almoçar em Governador Valadares? Poderia ter tomado um café mais reforçado aproveitando a diária do hotel, ou - emendava autoritário - por que esta despesa com o cliente se você era a visita e não o anfitrião? Ou ainda, por que pernoitar em Montes Claros e não em Bocaiúva cidade vizinha onde os custos são menores?

__ Mas, Zé Moura meu relatório já está aprovado até pelo Diniz, o gerente. O que você tem que se meter?

__ Então fala com o Diniz, arrepiava ameaçadoramente o Zé Moura, desafiando a estrutura hierárquica com base no seu convencimento de que fazia o melhor para a empresa. O Diniz era mestre na manipulação desse tipo de radioatividade. Fingia-se, às vezes e quando conveniente, aborrecido com a chatice do Zé Moura, mas tirava proveito do que havia de bom naquilo. No fundo, morria de rir com o medo que o Zé Moura impunha à intrépida equipe de vendas, pois sabia que passar no crivo do Caixa era a maior prova de que os recursos da empresa estavam sendo honesta e criteriosamente bem empregados. Por fim, Zé Moura se realizava toda vez que acontecia uma auditoria em seu caixa. Podia acontecer a qualquer dia e a qualquer hora, lá estavam os recursos da empresas corretíssimos até o último centavo.

Quando vejo nos dias de hoje a farra que políticos e gestores públicos fazem com o erário não há como não se lembrar do Zé Moura. Tivéssemos alguns deles cuidando da aplicação dos quase 40% do PIB que os governos nos tiram na forma de impostos e seriamos um dos mais prósperos países do mundo. Haveria mais dinheiro para uso na precária infra-estrutura de transporte, comunicação, portos e aeroportos. Haveria mais dinheiro para a saúde, a educação e a segurança. Haveria mais dinheiro também para melhoria das aposentadorias, re-socialização de jovens desgarrados, combate às drogas, pesquisa e desenvolvimento e tantas outras áreas mal assistidas pelo poderoso Leviatã de Thomas Hobbes que se apodera cada vez mais dos nossos recursos pessoais.

Portanto, nunca é demais sonhar: Quero Zé Moura pra Presidente, Zé Moura para Governador, Deputado; Prefeito, Senador e Vereador! Quero Zé Moura para todos os cargos públicos que têm poder sobre o dinheiro do povo. O dinheiro é do povo e de mais ninguém.

Zé Moura sabe muito bem como fazer isto!

Edson Pinto
Março de 2011

2 comentários:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos:

Caros amigos:

Lembrei-me de algumas histórias do início de minha carreira profissional na Philips em meados dos anos 60. Vou contá-las de forma gradual, sem pressa..

“Zé Moura é a Solução” é o título da minha crônica desta semana. É uma narrativa real, sem floreios. Veja se gosta?

Qualquer um gostaria de ter conhecido o famoso Zé Moura. Não sei se ele ainda se encontra entre nós, mas de qualquer modo ele marcou de forma peculiar a sua maneira de cuidar do dinheiro dos outros. E isto está ficando cada vez mais raro.

Bom fim de semana a todos!
Edson Pinto

Blog do Edson Pinto disse...

De: André

Para: Edson

Caro Edson,

Esta "crônica" sobre o Ze Moura me faz lembrar, alem do que vc relatou a importância e a preocupação de cada um de nós zelar pelo bem que de certa forma administravamos.Isto é uma questão de cultura. Nossa empresa, cuja origem é holandesa, sempre primou pela honestidade e parcimonia. Lamentavelmente nos dias de hoje o que vemos não só nas esferas governamentais mas tambem nas empresarias á a lei do "Gerson". onde a vantagem é que manda
Parabens pelo texto

André