8 de abr. de 2011

160) O AMOR


E alguém disse ao mestre: Fala-nos do amor! E ele respondeu:

“Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
Ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
Ainda que a espada escondida na sua plumagem vos possa ferir. “(Gibran Khalil Gibran)

A solenidade do casamento corria encantadora. Gente bonita, música ao vivo, corações em festa. Norminha e seu marido há mais de 30 anos já tinham ido a muitas solenidades iguais àquela. Ora casava um parente, ora a filha de um amigo, ora o amigo de um filho e assim por diante. Tudo já se mostrava rigorosa e agradavelmente rotineiro, pois assim é a vida, uma sucessão de momentos muito previsíveis. Mas, naquela noite, Norminha se dá conta de que o homem elegante, cabelo ligeiramente grisalhos que estava sentado bem à sua frente era ele. Sim, só podia ser ele. Se girasse o rosto ligeiramente para a direita já seria o suficiente tanto para vê-la como para que ela confirmasse se aquele homem realmente era o Pedro. Era ele, sim, Pedro o amor que nunca esquecera. E para ele, era ela, sim, Norminha, a paixão de seu sonho inacabado. Confirmadas as redescobertas transportaram-se, ao mesmo tempo, trinta e tantos anos no passando e mergulharam em doces e penosas reminiscências:

Norminha atravessava lenta e displicentemente o portal de uma Igreja parecida com aquela em que agora se encontravam. Buscava o assento que por hábito gostava de tomar. Em sua cabecinha confusa, misturavam-se a inocência de seus 13 anos com a carga prematura da árdua vida familiar dos tempos bicudos de então e a educação rígida, puritana recebida em casa. Nem percebeu, naquela noite dos anos 70, que o seu caminhar de passos angelicais era acompanhado pelos olhos atentos de Pedro.

Sentada, mas ainda cabisbaixa, tivera o reflexo de esguelhar olhar moroso à esquerda e em seguida à direita como a conferir o ambiente em que acabara de se por. Seus olhos negros, titubeantes cruzaram com os de Pedro sentado logo ali ao seu lado. Nem seria necessário estetoscópio para se perceber que seus corações entraram em arritmia severa. Mas, como no milagre do amor, aos poucos foram se arrefecendo até entrarem em perfeita harmonia. Batiam rigorosamente na mesma freqüência, no mesmo compasso, em encantadora eufonia. Estava estabelecida a base sobre as quais se constrói o mais nobre de todos os sentimentos, o amor.

Quatro anos de paixão moderada, mas verdadeira. As condicionantes religiosas do relacionamento moldavam a pureza da relação e as cartas, dezenas delas, registraram para todo o sempre a transição do amor quase infantil, puro e ingênuo para o mais maduro, conseqüente e verdadeiro em que pontuavam planos de uma vida a dois em futuro breve. O tempo, no entanto, trouxe seus caprichos, seus desafios até que o romance balançou. Ciúmes, um pouco de ausência e pequenas escorregadelas juvenis levaram Norminha a romper uma, duas vezes com Pedro. Havia sempre a esperança da retomada, mas o destino quis que tudo fosse diferente.

Hermano apareceu na vida de Norminha com promessas de amor eterno. Daí ao casamento, aos filhos e a uma vida artificial foi um passo para se construir a história de uma vida incompleta. Pedro saíra de sua vida, mas não de seu pensamento. Em Pedro sucedera o mesmo: Também casado, família feita, mas igualmente preso às lembranças do amor antigo, viveria sua vida de forma igualmente incompleta. Foram, por anos e anos, dois seres errantes, como disse Neruda: “Dois objetos patéticos/ Cursos paralelos/ Frente a frente/ Sempre/ Pensar talvez/ Paralelos que se encontram no infinito/ No entanto sós, por enquanto/ Eternamente dois apenas”.

Agora estavam ali. Era tudo o que sonharam por anos, mas fazer o quê com essa redescoberta? Teriam o direito de reacenderem aquela chama que na verdade nunca havia se apagado? Esqueceriam tudo para não ferir com a espada mortal da insidia os seus circunstantes? Mas, como esquecer, se tudo o que fizeram até então tinha sido exatamente alimentar suas mais recônditas esperanças do reencontro? Haveria as tais eternas paralelas que finalmente se cruzariam?

Entrecortam-se, do modo mais discreto possível, olhares reveladores enquanto deixavam a Igreja do reencontro, testemunha do rumo de duas vidas a serem revistas.

E o mestre, concluiu:

“Não penseis que podeis guiar o curso do amor/ Porque o amor, se vos escolher/ Marcará ele o vosso curso/ O amor não tem outro desejo senão consumar-se...”

Edson Pinto
Abril’ 2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Eu já havia dito que, com a saída de cena de Lula, secava uma das minhas mais caudalosas fontes para a produção de crônicas políticas. No início, preocupei-me um pouco com isso, mas como tudo na vida tem lá suas compensações, o relativo sumiço de Lula abriu-me espaço para escrever mais contos do que eu vinha, até então, fazendo. Gosto muito de contos por serem eles tipicamente fruto da imaginação. São ficções que nos dão infinitas possibilidades no exercício da criação literária.

Posto isso, nesta semana vai lá mais um conto. Embora ficção, pode sim, manter verossimilhança com a vida de muita gente, pois a vida, como bem sabemos, é um repetir permanente de situações comuns.

Edson Pinto