1 de abr. de 2011

159) O MISANTROPO FOLIÃO

Pura incoerência... Como poderia alguém com absoluta aversão ao convívio social, solitário por prazer e índice zero de relacionamentos, daí um autêntico misantropo, pudesse ser ao mesmo tempo um folião? Inconcebível! Eu sei que é assim que você deve estar pensando. E faz todo o sentido. Uma pedra não pode ser dura e ao mesmo tempo mole. O sol não pode ser quente e frio. É só quente. Uma linda mulher não pode autenticamente ser ao mesmo tempo também feia. Seriam todos, verdadeiros paradoxos.

Mas, Setembrino, por incrível que pareça, era as duas coisas. Vivia o ano inteiro fugindo de gente, escondidinho que nem um tatu em seu buraco. Se uma visita chegava pela sala ele corria para o quarto. Ouvia vozes no corredor e pulava para o sótão. Tudo para não se relacionar. Mas, quando o Rei Momo abria oficialmente o carnaval da cidade, Setembrino se transformava. À meia noite da sexta-feira gorda ele já era outro. Mascarado, era o folião que agitava a cidade Bebia, cantava, dançava e animava a todos. Antes de o sol raiar já estava em casa para o recolhimento e a esquisitice de sempre.

Rigorosamente, à meia-noite, também do sábado, do domingo, e da segunda feira que antecedia ao apoteótico fechamento do carnaval na terça-feira, Setembrino se transfigurava e acontecia. Antes de o sol novamente se fazer presente lá estava ele no papel de misantropo empedernido. No inicio, todos imaginavam que ele estava mudado, que tivesse recuperado definitivamente a alegria de viver. Não, infelizmente. Terminado mais um carnaval e até que o próximo chegasse Setembrino tornava-se um ilustre desaparecido.

Os parentes mais próximos davam explicações vagas: Foi uma desilusão amorosa que o fizera assim, ou, Setembrino está muito ocupado com seus estudos e não tem tempo para mais nada. Vizinhos especulavam que talvez o rapaz tivesse alguma doença crônica que o impedisse de uma vida normal. Mas, e o carnaval? Por que, justo no período carnavalesco, ele está sempre bem? Não! Doença não seria. Só se for doença da cabeça, aí sim, seria bem provável.

Nem o padre, nem o Diretor da Escola, muito menos o prefeito conseguiram integrar aquela figura à sociedade. Quem, em raros momentos, conseguia alguma aproximação com Setembrino confirmava que o rapaz era normal. Falava com equilíbrio e coerência. Era simpático, bem educado e inteligente. Além disso, já era notório com as garotas da cidade que Setembrino era um tremendo “boa pinta”.

Suas sete irmãs mais velhas do que ele pareciam guardar um segredo de família. Vieram todos de Joanópolis, interior de São Paulo, quase divisa com Minas Gerais e ninguém sabia muito mais da família, além disso. Setembrino preocupava muito mais à própria família do que à comunidade. Se não queria ser sociável, paciência! Assim, passaram todos a considerar. Mas, a família dava sinais de inquietação e isso era preocupante...

Porém, quando tudo parecia perdido, ao final de mais uma noite de carnaval e enquanto Setembrino, mascarado como sempre e exausto de tanta folia, topa com Clarinha na encruzilhada ainda escura. Paixão, ninguém explica e foi o que aconteceu. Não tendo mais como controlar seus mais profundos instintos, Setembrino ergue as mãos aos céus e pronuncia:

"Sois danado lobishomem,/ Primo d’Isac nafú;/Sois por quem disse Jesus/Preza-me ter feito homem.”

E o fato consumou-se:

Revelado, então, que Setembrino era um lobisomem que não dera totalmente certo. Transformava-se, sim, em lobo mas ao contrário do que se esperava de um autêntico lobisomem não procurava sangue, nem frequentava cemitérios como convinha à estirpe. Gostava mesmo era de carnaval, de bebida e de mulher. Setembrino fracassara como lobisomem...

Naquela noite, São Cipriano o libertou para sempre. Agora não há mulher na cidade que não o reconheça em suas intimidades.


Edson Pinto

1º de abril de 2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos:

Caros amigos:

Atribui-se ao mineiros a importação do que os ingleses chamavam de April Fool's Day (dia dos tolos) os franceses chamavam de Poisson d’avril, e os italianos de pesce d'aprile (peixe de abril). Nacionalizado, passou a significar o dia em que se conta uma mentira com o propósito jocoso de enganar os amigos.

Não tenho propriamente uma mentira para contar, embora o meu texto desta semana possa, ao final de sua leitura, passar a impressão de que não é verdadeiro. Não quero entrar nesta polêmica, por isso sugiro que leiam O MISANTROPO FOLIÃO.

Bom fim de semana a todos!
Edson Pinto