23 de fev. de 2012

193) ESTRIPULIA CARNAVALESCA


Isso já aconteceu há vários carnavais. Mas, toda vez que se aproxima o efêmero e anual reinado de Momo, somos lembrados aqui em casa da mesma história. É fato verídico! Mais do que uma malandragenzinha, constitui-se em uma passagem pitoresca, digna de recordação.

Ivo já trabalha em nossa casa há anos. Ele faz de tudo: Do corte da grama aos trabalhos pesados, passando pelos reparos necessários, troca do gás, lavagem dos carros, a retirada de uma nova caixa de marimbondos e coisas do gênero. Tudo é com ele. Não tem tempo ruim nem desafio, por mais desagradável que possa parecer, que ele não se dispõe a enfrentar prontamente e com muito bom humor.

Seu sonho, longamente acalentado, era tirar a habilitação para dirigir veículos automotores. Fez tudo conforme o figurino pede até que um dia apareceu com a CNH em mãos. Só a partir daí, começou a, esporadicamente e sob rigoroso controle, dirigir um carro que liberamos para ele. Tínhamos medo de soltá-lo em excesso. Jovem, do interior do Paraná, inexperiente, era um candidato certo a alguma encrenca no trânsito. O excesso de cuidados dedicado a ele foi o mesmo aplicado aos filhos quando também começaram a dirigir. “Ivo! Vai até a padaria, mas preste bem a atenção. Passe por esse ou aquele caminho, não corra e respeite os semáforos, ok?” Advertências como esta eram comuns nas orientações de minha esposa.

Foi quando começamos a desconfiar, pela alta freqüência com que era necessário repor a gasolina do carro, que o entusiasmo dele para com a direção já estava passando dos limites. Decidimos viajar no período de um dos carnavais passados e o Ivo permaneceu em casa. Não que quisemos que ele ficasse, mas por falta de opções e espírito caseiro, ele ainda prefere o aconchego do lar ao burburinho do período carnavalesco. Adora mexer com as plantas e identificar com grande maestria os pássaros novos que aparecem por estas bandas. Quando a namorada do momento fica muito pegajosa, ele simplesmente troca de número de celular e vai tocando a vida... Naquele carnaval, segundo nos disse, estava mais pra sossego do que pra folia. Por sugestão de minha mulher, anotei, furtivamente, antes de sairmos em viagem, a quilometragem dos carros que ficaram em casa.

Quando do regresso e tendo me lembrado da anotação que fizera, fui conferir os novos números dos odômetros. Um dos carros tinha rodado mais de 300 quilômetros. Jane, minha esposa, se encarregou de questionar o Ivo sobre as suas andanças. “Juro, Dona Jane, não fui a lugar nenhum. Fiquei por aqui assistindo os desfiles na TV. A senhora sabe que eu não gosto de carnaval. Estou sem namorada e não tinha nenhuma razão para ter saído. Ainda mais, de carro...”

Transferido o assunto para mim, fui direto ao tema: “Ivo, veja a anotação que eu mesmo fiz no dia que saímos e, agora, veja a nova! Você rodou com o carro ou não? Se você disser que não, ficarei muito mais preocupado ainda, pois concluirei que alguém entrou aqui em casa, pegou a chave do carro, saiu com ele, rodou uma bela distância, voltou, colocou-o aqui de volta e você não viu nada. Afinal, você não disse que não saiu de casa? Onde está a verdade?”

“Senhor Edson, eu não queria falar sobre este assunto para não deixá-los preocupado, mas vou revelar o que tem acontecido comigo: Tenho tido crises de sonambulismo. Não me pergunte como, mas numa dessas noites de carnaval em que a família estava viajando, levantei, dormindo, peguei a chave do carro, dirigi sem perceber nadinha e só acordei em plena praça da matriz de Pirapora de Bom Jesus com o batuque dos blocos carnavalescos que desfilavam naquele momento”

“Espera aí, Ivo! Então você, dormindo, troca de roupa, pega a chave do carro, liga-o, sai da garagem, passa pela portaria do Residencial onde necessariamente tem-se que comunicar com a segurança, passa por várias lombadas que tem no nosso bairro, pega a avenida principal, dirige dezenas de quilômetros em uma estrada de pista única, perigosa e acorda no meio do carnaval em outra cidade? Não sei se rio ou se choro...”

“Foi exatamente essa a sensação que eu tive também, senhor Edson, quando acordei no meio do carnaval. Como ficava meio esquisito chorar ali, na frente de tanta gente, eu decidi rir, brincar e me divertir. Já que estava lá, fiquei até a festa terminar e depois voltei com o carro inteirinho, como o senhor pode ver. Acho que o acontecido foi muito importante, pois desde então nunca mais tive desse problema de sonambulismo. Agora estou bem...”

“Pois, então, saiba que doravante começarei anotar a quilometragem dos carros com regularidade, ok?”

Edson Pinto
Fevereiro’2012

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

No carnaval tudo é válido. Ainda bem! Se não fosse essa consciente permissividade de costumes, a vida seria, de fato, muito chata...

Nem Nietzsche em seus piores momentos de pessimismo condenaria a malandragenzinha que descrevo no meu texto desta semana: ESTRIPULIA CARNAVALESCA.

Agora que o carnaval já passou, vamos, como fazemos todos os anos aqui no “Patropi”, começar a trabalhar?

Abraço a todos!

Edson Pinto