8 de set. de 2009

96) BUMBA-MEU-BOI



Bumba-meu-boi ou boi-bumbá é festa popular tradicional do Estado do Maranhão, terra de Sarney. Entre junho e julho de cada ano dezenas de milhares de pessoas formando grupos folclóricos variados tomam São Luiz, a capital, sua periferia, o centro e até mesmo os shoppings e áreas nobres da cidade, patrimônio cultural da humanidade, para extravasar a mais pura alegria. Nada mais pop e democrático!

Lendas, crenças populares, canções e costumes juntam-se nessa comemoração que tem sua origem em condicionantes adversas das relações sociais e econômicas da época em que o Vice Reino do Grão-Pará e Maranhão, sob o período pombalino, século XVIII, levou progresso ao local. O Maranhão tornou-se economicamente importante à base da monocultura, da criação extensiva de gado e de muita escravidão. Já dá, portanto, para imaginar que, em ambiente com essas características, outra coisa não poderia resultar senão em gritante disparidade entre uma elite de sátrapas maneiros e um povo pacífico, mas sofrido.

O enredo da festa baseia-se no “atrevimento” de um escravo que teria abatido um boi para tirar-lhe a língua e assim satisfazer o desejo alimentar de sua mulher grávida. O senhor, ao descobrir a proeza do escravo, obriga-o a trazer de volta, com vida, o tal animal. Com a ajuda de curandeiros e pajés o escravo consegue enfim ressuscitá-lo. A festa é, portanto, a comemoração do milagre da volta do ruminante vivinho da silva e, principalmente, da preservação da vida do escravo amoroso e querido por todos. Por quase uma década, em fins do século XIX, a festa esteve proibida no Maranhão por ser uma manifestação típica da população negra e escrava.

Já estamos no século XXI e o Bumba-meu-boi restabeleceu-se como festa popular que muito bem identifica o nobre povo daquele Estado brasileiro. A escravidão acabou ainda em 1888, São Luiz manteve aos trancos e barrancos o seu valioso casario histórico e ganhou até proteção da UNESCO e a população do Estado já passa de 6 milhões de almas. Muita coisa mudou de lá para cá, só não mudaram as relações entre a elite e o povo. Os senhores donos da monocultura e do gado de antão libertaram seus escravos por força do ato redentor, a lei Áurea, da herdeira do trono de D. Pedro II e primeira senadora do Brasil, Princesa Isabel, mas, infelizmente, continuam como donos absolutos do destino de cada maranhense, agora, mais intensamente do que no passado.

Quem nunca leu, circulando pela Internet, a lista de homenagens que caracterizam o verdadeiro culto à personalidade, ainda viva, do patriarca e da família de plantão no comando do Estado? Vejamos alguns: maternidade Marly Sarney, escolas Sarney Neto, Roseana Sarney, Fernando Sarney, Marly Sarney, José Sarney; posto de saúde Marly Sarney, biblioteca José Sarney, tribunal de contas Roseana Murad Sarney, ponte José Sarney, Avenida José Sarney, rodoviária Kiola Sarney, fórum José Sarney, sala de imprensa Marly Sarney e a mais recente Fundação José Sarney para preservar, com verbas da Petrobrás, isto é, parte do preço da gasolina que consumimos, a memória de um ex-presidente. Óbvio que o ex-presidente é o próprio José Sarney. Ufa! Paro aqui, não por falta de mais homenagens, mas por falta de espaço para listar a todas.

Quem de outro país visse pela primeira vez essa catarata do Iguaçu de homenagens certamente imaginará que o Maranhão tornou-se, graças à nobre família, uma das regiões mais prósperas do Brasil. Ficará, contudo decepcionado quando souber que se trata de um dos mais pobres e o pior IDH (índice de desenvolvimento humano) do país. Dos 100 municípios com piores IDH’s do país, 36 estão no Maranhão. Nada precisa mais ser dito, concorda?

E a luta continua “brasileiros e brasileiras”, como diria o próprio Sarney. Ele, Sarney, apegou-se de tal forma a cadeira de presidente do Senado que – salvo os planos de Lula para a permanência do PT no comando da nação e que dependem do apoio do PMDB de Sarney – só fica uma razão para que o velho cacique continue dando as cartas: por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) ele conseguirá a mudança do nome de seu Estado usando, é claro, a mesma forma apocopada da qual também se serviu o marquês de Pombal para designar o que é grande.

Teremos o Estado do GRÃO-SARNEY e o Grão Pará e Maranhão de outrora serão apenas menções históricas em páginas amarelados de um livro velho repousando ao lado de “Marimbondos de Fogo” na estante do ilustre imortal. Quiçá, também, um objeto histórico, sob uma redoma de vidro protegida por seguranças pagos pelo Senado Federal no museu de José Ribamar Sarney, o Grande.

Edson Pinto
Setembro’2009

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

Caros amigos:

O final de semana estendido com o feriado da Independência até que foi legal:

A nossa briosa seleção carinha venceu a Argentina, em Rosário, e com isso fez Maradona economizar gastos com sua manicure; o nosso basquete, depois de tantos fracassos recentes, ganhou a Copa América; Lula comprou submarinos, helicópteros e aviões militares de caça dos franceses mesmo sem a presença da Carla Bruni. Agora, bola prá frente, bola na cesta, porque o País já pode garantir nossas ousadias no pré-sal, na Copa de 2014 que nos comprometemos a organizar, no trem-bala que a Dilma jura construir e depois, quem sabe, até mesmo sediarmos as Olimpíadas de 2016, pois ao menos em termos de poderio bélico, convenhamos, acabamos de atingir o estado da arte.

Será o “Brasil-Potência”, membro do Conselho de Segurança da ONU, quinta economia do mundo que já vislumbramos como “nunca antes na história deste país”? Só podemos esperar prá ver, pois como diria Lady Kate, do plim plim, ”bom, bom, bom, num tá não, tô paganuuuu”...

Quiséramos todos ver ainda realidade todas essas metas, pois nós merecemos. Só não merecemos continuar convivendo com a dúbia situação de um país que ameaça ter tudo de moderno, inclusive poder bélico, mas ao mesmo tempo convive com práticas sociais retrógradas como a do coronelismo de Sarney no Maranhão e no Brasil na base do “Urbi et Orbi”. Por isso, nesta semana, escrevi o texto BUMBA-MEU-BOI para lembrar aos amigos que, mantendo o estilo Sarney de ser, fica difícil chegarmos à modernidade.

Abraço

Edson Pinto