14 de set. de 2009

97) KUMBA MELA

Em questão de religiosidade explícita, penso, nada se compara às produzidas no mundo Índia. O budismo e o hinduísmo conviveram e ainda convivem com outras manifestações não menos importantes, como o islamismo, o cristianismo, o confucionismo e mais. Conflitos e demonstrações pacíficas de cunho religioso formam ali um quadro muitíssimo peculiar na história desse fantástico país, inclusive recém-badalado na forma de novela em horário nobre da Rede Globo.

Das muitas manifestações religiosas indianas a que sempre me chamou a atenção pela sua grandiosidade em termos de participantes é a chamada Kumba Mela. São peregrinações monumentais de renunciantes às suas riquezas, aos seus trabalhos e às suas famílias. Juntam-se, quase nus, em enormes massas humanas e assim passam a viver como mendigos. Na verdade, peregrinos espirituais. São, contudo, muito respeitadas pela outra parte da população que acredita que esses peregrinos, pelo ato de suas renuncias, estão mais próximos da divindade. E na Índia, estar bem com os deuses, é super importante.

Em janeiro de 2001, a localidade de Allahabad-Prayag, às margens do rio Ganges, recebeu uma Kumba Mela de – não se espantem, é isto mesmo – 70 milhões de peregrinos. Um estádio como o do Morumbi lota com 50 mil pessoas. Precisaríamos, portanto, de 1.400 estádios iguais para acomodar essa Kumba Mela. Incrível, não?

Curioso é que, tanto lá como cá, entre gente tão pura de propósito entram também farsantes e embusteiros. Sabe-se, contudo, que, na Índia, a proporção de espertinhos é bem pequena. Assim, o caráter de religiosidade verdadeira dos peregrinos espirituais é mantido incólume e as Kumba Mela se perpetuam na cultura daquele povo.

Se pudéssemos traçar um paralelo com a cultura brasileira, só poderíamos fazê-lo em campos outros que não o da religiosidade. O brasileiro - falo em tese - jamais se disporia a renunciar a algumas coisas, especialmente à riqueza e à família. Poderia, sim, renunciar ao trabalho, desde que, é claro, houvesse um meio de continuar recebendo o seu salário no final do mês, ou, na falta prévia desse, de sua bolsa-família paga pelo governo federal.

Peregrinar então, aí vejo mais dificuldades. A não ser que seja para assistir a um jogo de futebol, participar do Galo da Madrugada em Recife ou do carnaval de rua de Salvador e outras localidades. Ah! Sair em uma escola de samba nos sambódromos do Rio, de São Paulo, de Manaus, seguir os bois Caprichoso e Garantido do festival folclórico de Parintins, o bumba-meu-boi de São Luiz ou, ainda, paulistanos em direção à praia em feriados prolongados também atrairiam kumba melas bem brasileiras.

Adicione ao que imaginei no parágrafo anterior, a real possibilidade de uma kumba mela, ainda que em tamanho menor em relação às indianas, mas com grande possibilidade de crescimento: A parentalha e agregados do senador José Sarney peregrinando em direção ao Congresso Nacional para – por atos secretos, evidentemente – conseguir empregos que dispensem trabalho real.

Aqui, diferentemente do que ocorre na Índia, os “kumba-meleiros” do Sarney não precisariam renunciar a nada, exceto, à dignidade que, como todos os cidadãos, deveriam, também, ter.

Edson Pinto
Setembro’2009






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