21 de set. de 2009

98) ANTIGENTE

Juvenal estava cansado. Dizia que 50 anos de sofrimento eram mais do que suficientes para fazê-lo pensar em deixar de vez o seu cruel modo de vida. Em meio século neste mundo de enganos e sombras, nada mais conhecera senão parcos relacionamentos sociais, portas fechadas para tudo e por todos e preconceitos que fizeram da sua existência algo comparável à trajetória de um palhaço das “perdidas ilusões”, como na antiga canção.

Com mulheres não tivera sorte, dizia. Amigos verdadeiros? Raros! Só interesseiros que lhe sugaram os miolos e os recursos minguados. Família? Quem sabe ainda existissem alguns gatos-pingados por esse mundo sem fim. Se nunca os vira até então, não seria agora o momento de fazê-lo, justo quando tinha decidido por se tornar um “antigente”.

O conceito de antigente vinha sendo cristalizado em sua cabeça há anos. Como não se sentia gente imaginou ser, então, um antigente: uma pessoa ao contrário, um ser negativo ou qualquer coisa que tivesse o efeito de um sinal invertido. Não que pensasse em dar cabo de sua vida. No fundo, no fundo, Juvenal gostava de viver e até rejubilava-se por ter corpo e mente sãos, boa visão de mundo e perfeita consciência da natureza grandiosa ao seu redor. Considerava isso mais do que uma dádiva, um milagre no qual ele também fora generosamente inserido. Queria, sim, continuar a jornada que o levaria algum dia no futuro para o eterno, mas não mais como gente e sim como antigente.

Antigente para Juvenal seria incorporar à sua vida todos os elementos contrários aos que ele de fato tinha e que não lhe agradavam. Como antigente, os parentes que nunca conhecera acorreriam a ele às centenas e ele seria guindado à posição de orgulho da família. Às mulheres que tantas dores lhes causaram, na posição de antigente, arrastar-se-iam aos seus pés pranteando juras de amor infindo e ele as compreenderia, compadecidamente...

Para ser antigente inverteu os números de seus documentos começando pelo digito de controle até o primeiro número que passou a ser o último. As fotos nas carteirinhas foram afixadas com Juvenal de cabeça para baixo e até o próprio nome ganhou a versão invertida, Lanevuj. Passou a gostar de coisas que antes odiava como, choro de criança embirrada, garçom desatencioso, congestionamento de trânsito, ônibus lotado, reunião de condomínio, malabaristas de semáforos, atrasos de voos, morosidade da justiça, juros do cheque especial, preço da gasolina, música eletrônica, sujeira do rio Tietê, fila do INSS, discurso de Lula, mentiras da Dilma, nomeações do Sarney e mau-humor do Dunga...

E deu no que deu!

O tempo passou tal qual passara nos seus primeiros 50 anos de vida e por mais antigente que Juvenal tenha se tornado, suas novas percepções, agora completamente satisfeitas, tornaram-lhes a vida monótona.

E não é que, mais rápido do que imaginava, concluiu Juvenal, mais valia ser gente insatisfeita a ser antigente contente. A graça e gosto da vida estavam exatamente em sempre se ter do que não gostar...

Edson Pinto
Setembro’2009

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