29 de mar. de 2012

198) O DECIFRADOR DE ENIGMAS

Não por outra razão, seu Frederico, octogenário, solteiro convicto, polímata, merecia no seu bairro, por razões óbvias, ora a alcunha de “Da Vinci”, ora a de “Filósofo Grego”. Era arguto, inteligente, espirituoso, pensador e, de forma pouco comum, muitíssimo preocupado com as coisas erradas ou malfeitas que via neste mundo de Deus.

Cada vez que ocorria um acidente desses que chamam a atenção e chocam a todos nós, lá vinha ele com alguma sugestão para que o problema não voltasse a acontecer, ou, se repetido, que pelo menos minorasse o sofrimento das pessoas. Em pleno gozo de sua nobre incumbência de “Fiscal da Natureza” - fizera ao longo da vida por merecê-la - não havia obstáculos que impedissem sua mente criativa de externar ideias que a maioria das pessoas, caso as tivesse, tenderia a guardá-las apenas para si, por medo de se exporem ao ridículo...

Ouvia, entendia, diagnosticava e com grande agilidade propunha uma solução para qualquer problema. Ia de técnicas de futebol para que seu time marcasse mais gols até aos dispositivos eletrônicos que facilitassem a vida em casa ou aumentassem a diversão das crianças, Afinal, mesmo sem nunca ter sido pai, tinha especial carinho com a meninada, futuro esteio do mundo, como dizia. Dava pitacos em tudo e era respeitado. Era peripatético na medida em que ensinava a todos que o abordavam ao longo de suas freqüentes caminhadas pelo bairro.

Tão logo o transatlântico Costa Concórdia encontrou aquele rochedo no Mediterrâneo e prenunciou a repetição da tragédia do Titanic em 1912, seu Frederico sugeriu, na forma de questionamento: “Por que não instalam para-choque nos navios?”. Qualquer pessoa consideraria a idéia estúpida e risível de tão simples que era. Na sua cabeça, contudo, o simples é o que faz todo o sentido. A natureza é simples, somos nós que a complicamos, dizia sempre que lhe questionavam as obviedades. Ademais, um para-choque de navio não seria necessariamente algo assemelhado ao de um automóvel. Seria eletrônico, combinando tecnologias de GPS, sonares, espectrografia e pilotagem automática como as dos modernos aviões, contra-argumentou com sabedoria.

Ele já tinha também formulado soluções para muitos outros problemas: Imaginava um aperfeiçoamento da democracia com envolvimento mais direto do povo e não apenas a representatividade tão questionada do modelo político atual. O computador e a Internet estão aí para possibilitar interatividade entre os três poderes da Republica e o povo a que deve servir. Alinhava-se, assim, ao moderno conceito de Democracia Direta. Propugnava, também, uma reforma tributária radical com adoção de um imposto único que simplificaria em muito a vida do cidadão hoje massacrado pela malvada burocracia arrecadadora que impede o País de crescer competitivamente. Ia das idéias sociológicas e políticas ao corriqueiro do dia-a-dia: Sugeria enormes paraquedas de aviões como último recurso a uma queda inevitável e ainda um grande “airbag” externo aos carros além dos internos, tudo como alternativas para se salvar vidas.

Calçados com rodinhas motorizadas que acelerariam o caminhar das pessoas; óculos com monitor embutido para apresentar programas de TV, acessar o computador, a Internet, o GPS e a videoconferência; sistema de transferência direta para o cérebro de informações importantes enquanto dormimos. Tinha ainda: geração doméstica de energia elétrica a partir do processamento dos resíduos orgânicos da própria casa e até mesmo um rastreador eletrônico para localizar cão desaparecido bem como aparelho de pulso para monitorar em tempo real os vários indicadores da saúde humana que hoje exigem os aborrecidos exames laboratoriais.

Era contundente na defesa do ponto de vista de que nenhum problema devia ficar sem solução. Tudo na vida - afirmava - haveria de ser melhorado e a perfeição, mesmo sendo um atributo de Deus, deveria ser perseguida por todos e em tudo o que se faz para o seu próprio bem e para o bem dos semelhantes. Deus gosta de brincar conosco, dizia, fazendo o eterno jogo do esconde-esconde. Quando deciframos algum de seus segredos haverá sempre outros, para nós ainda mais complexos, a serem desvendados. A compreensão total é inalcançável...

Questionado sobre a sua solteirice prolongada ele não hesitava em afirmar que ela, por certo, acabaria tão logo o desafio que o perseguia ao longo de toda a sua vida fosse vencido, mas que, infelizmente, confessava-se agora desesperançado quanto à possibilidade de êxito. Estava cada vez mais convencido de que sua criatividade para análise e solução de problemas tinha esbarrado no mais intrincado de todos os enigmas que Deus vem confrontando o gênero masculino nesse jogo da eterna busca do conhecimento, ou seja, a compreensão da cabeça feminina.

É inexplicável, queixou-se, como Deus deu às mulheres o poder de nos entender, mas negou-nos a recíproca. Por isso, concluiu: Prefiro seguir decifrando os enigmas mais simples da vida...

Edson Pinto
Março’ 2012

A pintura que ilustra este texto é de Anelore Schumann (Google Images)


Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos:

Caros amigos:

A mola mestra que impulsiona a trajetória da humanidade é, sem dúvidas, o seu insaciável desejo por desvendar os mistérios da vida.

Se o homem não tivesse curiosidade para desvendar enigmas, a existência seria pobre e sem graça.

Algumas pessoas levam o desafio de decifrar enigmas mais à sério do que outras. Nisso, seu Frederico, o personagem de meu conto desta semana era pródigo, o que não significa, de antemão, que ele tenha desvendado a todos.

Leiam o meu texto O DECIFRADOR DE ENIGMAS e depois me confirme se seu Frederico tem ou não razão.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto